NYT: Trump ameaça Brasil e isola os EUA enquanto China avança com megaprojeto ferroviário

247 - A jornalista Lydia Polgreen, em artigo publicado nesta quinta-feira (17) no The New York Times, criticou duramente a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao confrontar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com ameaças de tarifas comerciais. Em contraste com a abordagem diplomática e estratégica da China, que avança na integração logística da América do Sul, Polgreen afirma que Trump aposta no confronto e em “birras e tarifas”, colocando em risco os interesses dos próprios Estados Unidos.

Na semana passada, Trump enviou uma carta ao presidente do Brasil protestando contra o julgamento de Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado. “Este julgamento não deveria estar acontecendo”, escreveu o mandatário norte-americano. “É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, completou. Para Polgreen, o episódio ilustra o modo como Trump conduz a política externa: com ameaças unilaterais e sem estratégia de longo prazo.

A jornalista destaca ainda que, no mesmo período em que Trump agitava o cenário político com sua carta, o Brasil firmava discretamente um acordo de grande relevância internacional. Empresas estatais brasileiras e chinesas assinaram um termo para dar início à construção de uma ferrovia transcontinental, com cerca de 4.500 km, ligando o Atlântico brasileiro ao Pacífico peruano. O projeto tem potencial para transformar a logística sul-americana e estreitar os laços comerciais com a Ásia, especialmente com a China.

“China oferece ajuda para construir ferrovias; Trump intimida e interfere na política interna dos países”, sintetizou Lydia Polgreen.

Conflito com o BRICS e ataque a Lula - O artigo ressalta que o comportamento de Trump também se voltou contra o BRICS, bloco formado por países emergentes como Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul. Em publicação nas redes sociais, o presidente norte-americano ameaçou impor tarifas adicionais a qualquer nação “que se alinhar às políticas antiamericanas do BRICS”. A crítica ocorreu justamente durante a realização da cúpula do grupo, sediada por Lula.

A retórica beligerante, segundo Polgreen, colide com o tom dos comunicados do BRICS, que condenaram bombardeios contra o Irã, mas evitaram criticar diretamente Estados Unidos ou Israel. A jornalista observa que o bloco, apesar de suas limitações internas, tem buscado ampliar o comércio entre os membros e resistir a sanções ocidentais, em especial no caso da Rússia.

Ainda assim, países como Brasil, Índia e África do Sul se opõem firmemente à ideia de transformar o BRICS em uma coalizão anti-Ocidente. “O Brasil sabe que a China é indispensável e os Estados Unidos são insubstituíveis”, destacou a colunista, citando o cientista político brasileiro Hussein Kalout. Segundo Kalout, “o Brasil jamais fará uma escolha binária. Essa não é uma opção".

Desgaste para Trump e fortalecimento de Lula - Polgreen ressalta que, mesmo com Lula enfrentando queda de popularidade por dificuldades econômicas internas, o ataque de Trump acabou gerando uma reação de apoio ao presidente brasileiro. Segundo ela, “graças aos ataques de Trump, os brasileiros estão se unindo em torno de seu presidente".

A jornalista vê na atitude de Trump uma repetição do erro de subestimar as aspirações e complexidades dos países emergentes. Ela afirma que, em vez de oferecer uma alternativa viável à ascensão da China, os Estados Unidos sob Trump apostam em confronto e isolacionismo, o que mina sua própria influência no mundo.

“Do ponto de vista brasileiro, o país que busca firmemente alterar as dinâmicas do sistema global são os Estados Unidos”, disse Polgreen, citando o especialista Oliver Stuenkel. Para o analista, os EUA — e não a China — são percebidos como os verdadeiros desestabilizadores da ordem internacional.

Memórias do passado e sinais de alerta - No artigo, a autora relembra o papel dos EUA no golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart e deu início a duas décadas de ditadura no Brasil. Segundo ela, o país sul-americano carrega cicatrizes desse período e observa com preocupação qualquer sinal de retorno a uma lógica de dominação entre potências.

Lula, por sua vez, evitou escalar a tensão, mas deixou claro que o Brasil não aceitará passivamente qualquer medida punitiva. Em entrevista, disse que retaliará tarifas com a mesma intensidade: “se eles forem cobrar 50, a gente vai cobrar 50". A resposta, segundo Polgreen, veio amparada em poderes legais concedidos por uma lei aprovada este ano no Congresso Nacional. Enquanto Lula reage dentro das regras do jogo democrático, Trump “se apropriou das tarifas como ferramenta pessoal”, critica a colunista.

O dilema americano e a chance perdida - Polgreen encerra seu texto com um alerta sobre os riscos da atual postura de Washington: ao invés de liderar a transição para uma nova ordem multipolar mais justa, os EUA sob Trump alimentam o caos e a confrontação. “Trump está desperdiçando uma oportunidade que seus dois antecessores — Barack Obama e Joe Biden — deixaram escapar”, escreveu.

Para ela, a liderança mundial exige não apenas força econômica ou militar, mas também visão e humildade — qualidades raramente presentes no atual ocupante da Casa Branca. Trump, diz a autora, “parece comprometido com a dominação e a destruição, em um caminho que pode marcar o ponto mais baixo da política de excessos dos Estados Unidos".