O novo iluminismo do Sul Global: Marcio Pochmann defende redefinição da modernidade no Fórum China-América Latina
Presidente do IBGE afirma que a modernidade ocidental está em colapso e que países do Sul Global devem criar novos indicadores para refletir a realidade
247 – O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, defendeu uma nova concepção de modernidade durante sua participação no Fórum de Mesa Redonda China-América Latina, realizado em junho deste ano por meio de uma parceria entre o jornal chinês Global Times e o portal Brasil 247. A intervenção foi transmitida pelo canal CCTV no YouTube e destacou a importância de um diálogo entre civilizações que contemple os interesses do Sul Global, em contraposição ao esgotado modelo ocidental de desenvolvimento.
“Estamos vivendo, neste início do século XXI, uma profunda mudança de época, talvez a mais significativa dos últimos quatro séculos”, declarou Pochmann. Ele apontou o deslocamento do centro dinâmico da economia mundial do Ocidente para o Oriente e do Norte Global para o Sul Global como uma das principais características desse novo tempo histórico.
O colapso da modernidade ocidental
Na análise do presidente do IBGE, o modelo de modernidade ocidental, vigente desde o Renascimento, está em colapso por conta de três pilares que perderam sua efetividade histórica. O primeiro eixo, segundo ele, é o domínio militar. “O projeto da modernidade europeia se assentou, em primeiro lugar, na transformação da pólvora branca em pólvora negra, ou seja, na arte da guerra”, explicou. Pochmann afirmou que, após o surgimento das armas nucleares, a guerra se tornou um fator de risco para a própria humanidade, perdendo seu caráter funcional de controle e expansão.
O segundo eixo questionado por Pochmann é a relação predatória com a natureza. Ele ressaltou que a modernidade ocidental promoveu uma separação artificial entre humanidade e meio ambiente, encarando a natureza como recurso inesgotável. “Hoje sabemos perfeitamente que não há possibilidade de seguir nesse processo de progresso material, tendo em vista o esgotamento da natureza”, enfatizou.
O terceiro pilar em crise seria o padrão de consumo concentrado nas elites. Pochmann criticou o modelo econômico que disseminou o chamado “sonho americano” como se fosse universalizável, mas que, na prática, gera exclusão. “Foi o sonho americano, de grandes casas, consumo ilimitado, muitos automóveis, possível apenas para uma pequena parte da sociedade mundial, gerando uma desigualdade intolerável”, disse.
A responsabilidade histórica do Sul Global
Ao comentar o papel dos países em desenvolvimento, Marcio Pochmann destacou a responsabilidade histórica que recai sobre o Sul Global no novo cenário mundial. “Os países do Sul Global já respondem por cerca de 70% do dinamismo econômico do mundo”, lembrou. Contudo, ele ressaltou que as ferramentas de medição econômica seguem sendo baseadas em conceitos ocidentais, que ignoram as especificidades das sociedades do Sul Global.
O presidente do IBGE citou a realização, em Fortaleza, de um encontro de países do Sul Global — incluindo membros dos BRICS, da CPLP, do Mercosul e da região amazônica — para debater a criação de indicadores próprios. “O sistema de estatísticas que utilizamos expressa a visão europeia do mundo. O conceito de riqueza, de trabalho, de ocupação, tudo isso precisa ser repensado”, afirmou. Ele defendeu ainda o reconhecimento do trabalho reprodutivo, realizado nas famílias, como parte fundamental da economia.
Um novo iluminismo contra a barbárie digital
Marcio Pochmann também abordou o risco de uma nova “idade média digital”, provocada pelo monopólio das informações pelas grandes corporações tecnológicas. Ele alertou para a necessidade de soberania dos países sobre seus dados. “Estamos nos aproximando de uma possível nova Idade Média gerada pelo monopólio da informação e dos dados associados às big techs”, disse.
Para ele, a soberania digital é uma das chaves para garantir um futuro compartilhado pelas nações, especialmente no Sul Global. “A soberania dos dados é fundamental, porque, nos séculos passados, a soberania política esteve no centro das lutas. Hoje, a soberania de dados passa a ser determinante para o futuro dos países”, concluiu.
A fala de Marcio Pochmann marcou uma das principais intervenções do Fórum China-América Latina, evidenciando o fortalecimento do diálogo entre a América Latina, o Caribe e a China na construção de uma nova ordem mundial centrada no Sul Global. Assista:
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: