Anvisa decide nesta terça sobre cultivo de maconha para fins medicinais
Prazo dado pelo o STJ vence hoje e pode definir um mercado que deve movimentar cerca de R$ 1 bilhão em 2025 e até R$ 6 bilhões em 2030
247 - O prazo estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a União regulamentem ou vetem de forma definitiva o cultivo de cânhamo (cannabis sativa) para uso medicinal no Brasil expira nesta terça-feira (30). Segundo o UOL, um estudo do Instituto Escolhas, divulgado em junho,aponta que o mercado nacional de medicamentos à base da planta deve movimentar R$ 1 bilhão já em 2025 e pode multiplicar esse valor por seis até 2030.
Cânhamo x maconha: a diferença está no THC
O cânhamo e a maconha são a mesma espécie vegetal, mas se distinguem pela concentração de tetraidrocanabinol (THC), o composto psicoativo da cannabis. A planta é considerada cânhamo quando apresenta até 0,5% de THC. Acima de 3%, é classificada como droga psicoativa. Há variedades que chegam a mais de 20%.
Potencial medicinal e industrial
Os usos do cânhamo vão muito além da medicina. Estudos clínicos já comprovam eficácia no tratamento de depressão, insônia, ansiedade, epilepsia, endometriose, dores crônicas, Alzheimer, Parkinson e até em terapias para crianças autistas.
No setor produtivo, a planta pode ser aplicada na indústria têxtil, substituindo o algodão; na construção civil, com a fabricação de tijolos; na produção de cosméticos e alimentos; e até em rações e medicamentos veterinários.
Segundo o Instituto Escolhas, o Brasil precisaria cultivar 64 mil hectares de cânhamo até 2030 para atender à demanda. O investimento estimado é de R$ 1,23 bilhão, com retorno de R$ 5,76 bilhões em receitas líquidas e geração de 14,5 mil empregos diretos.
Avanço global e atraso brasileiro
Enquanto países como Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra e China já colhem resultados econômicos da planta, o Brasil ainda patina em regulamentação. Estimativas da consultoria Business Research Insights indicam que o mercado global deve atingir US$ 48 bilhões em 2025 e poderá superar US$ 700 bilhões até 2033, sendo US$ 120 bilhões apenas em medicamentos.
Na América do Sul, Paraguai, Uruguai e Colômbia já adotam políticas mais tolerantes. Para acompanhar os mercados desenvolvidos, o Brasil teria de investir algo em torno de R$ 150 milhões em pesquisas.
O que dizem os especialistas
Daniela Bittencourt, secretária-executiva do comitê da Embrapa sobre cannabis, aponta o atraso do país. “O Brasil tem décadas de atraso em relação ao resto do mundo. Os países desenvolvidos investem pesado em estudos e produção de cânhamo, pois há mais de 2 mil aplicações da planta”,disse Bittencourt, de acordo com a reportagem. Ela destaca ainda o potencial competitivo do Brasil no mercado internacional. “Temos know-how agrícola, terra, instituições como a Embrapa, solo e clima propícios. Só falta a autorização”, completa.
Rafael Giovanelli, coordenador do estudo do Instituto Escolhas, compara o cultivo do cânhamo ao plantio de algodão. “O algodão ocupa 3,5% das áreas agrícolas brasileiras, mas consome 10% de todo o agrotóxico utilizado na agricultura. O cânhamo não precisa de agrotóxicos, usa pouca água, retira gás carbônico do ar e gera roupas mais duráveis. A regulamentação representa uma oportunidade de desenvolvimento sustentável para o Brasil”, destaca”
Pesquisa acadêmica e obstáculos
A professora Vanessa Stein, da Universidade Federal de Lavras (MG), foi a primeira a obter autorização extraordinária da Anvisa, em 2015, para cultivar cânhamo em laboratório. Ela aplica biotecnologia no melhoramento genético da planta para produzir canabinóides in vitro.
“Tive de vencer várias barreiras de preconceito para conseguir financiamento. Desde 2017, enviei mais de 15 projetos e, por muito tempo, não liberavam recursos. Mas sou persistente”, relata. Neste ano, ela conquistou R$ 1,2 milhão da Fapemg para pesquisas nos próximos três anos. A cientista defende que a regulamentação trará benefícios diretos à população:
“Se a autorização da Anvisa ocorrer, o país terá maior controle de qualidade nos medicamentos e preços mais acessíveis. Hoje, remédios à base de cannabis chegam a custar R$ 600 nas farmácias”, afirma a pesquisadora.