Relatório aponta potencial do Brasil para liderar mercado global de cânhamo e cannabis
Estudo indica que setor pode gerar milhares de empregos e bilhões em receita se houver regulamentação clara
247 - Um relatório lançado pela Embrapa em parceria com o Instituto Ficus defende que o Brasil tem todas as condições de se tornar um dos principais produtores mundiais de cânhamo e cannabis industrial. O documento, intitulado Caminhos Regulatórios para o Cânhamo no Brasil, foi divulgado nesta quarta-feira (10) em Brasília e detalha um plano estratégico para desenvolver a cadeia produtiva da planta no país.
O estudo é resultado de um grupo de trabalho ligado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável da Presidência da República (CDESS) e traz propostas para alinhar ciência, setor produtivo e políticas públicas. Segundo os especialistas que participaram do seminário de lançamento, o cânhamo pode ter impacto direto na saúde, na geração de empregos e no crescimento econômico sustentável.
Ciência e desafios legais
Na abertura do evento, Clenio Pillon, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, destacou a relevância do tema.
“A Embrapa não deve se furtar de trabalhar para o desenvolvimento da cadeia produtiva da cannabis. Não é concebível, num país como o nosso, estarmos importando matérias-primas importantes para a indústria e para a área de saúde”, afirmou.
Pillon lembrou que a instituição já consolidou diversas cadeias produtivas desde os anos 1970 e defendeu avanços em genética, sistemas de produção e aplicações industriais e médicas. No entanto, apontou que a legislação atual ainda impede pesquisas mais amplas.
Ricardo Alamino Figueiredo, chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, ressaltou que a discussão começou há três anos e que a parceria com o Instituto Ficus é essencial para unir pesquisa científica e mercado. “Esse projeto visa acelerar o desenvolvimento da pesquisa e do mercado da cânhamo no Brasil, e o relatório que está sendo apresentado neste evento é uma contribuição inicial desse processo”, afirmou.
Potencial econômico
De acordo com o economista Rafael Giovanelli, do Instituto Escolhas, o cânhamo pode superar culturas tradicionais em rentabilidade, como soja e algodão. O estudo estima a criação de mais de 14 mil empregos e receitas de R$ 5,76 bilhões até 2030, caso a regulamentação seja aprovada.
“Atualmente, quase 100% dos derivados de cânhamo no Brasil são importados. A produção nacional pode substituir essas importações, baratear produtos e tratamentos, e gerar excedentes exportáveis”, explicou Giovanelli.
O mercado global de derivados da planta movimentou entre US$ 5 e 7 bilhões em 2023 e deve crescer até 25% ao ano na próxima década.
Pesquisa e inovação
A pesquisadora Daniela Bittencourt, da Embrapa, alertou que a falta de autorização para pesquisas limita o desenvolvimento de variedades adaptadas ao clima tropical.
“Sem ciência, sem pesquisa, aquilo que é potencial não se tornará realidade”, disse, ao defender investimentos em ciência e inovação.
Ela apresentou a proposta do Programa de Pesquisa em Cannabis da Embrapa, que engloba desde o desenvolvimento de novas cultivares até estratégias de zoneamento climático e políticas públicas.
Usos industriais
Representantes de associações do setor destacaram que a planta já tem mais de 25 mil aplicações catalogadas no mundo, incluindo têxteis, biomateriais, alimentos funcionais, cosméticos, insumos farmacêuticos e construção civil.
“É uma cadeia produtiva de desperdício zero”, resumiu Rafael Arcuri, da Associação Nacional do Cânhamo.
Entraves regulatórios e experiências internacionais
O professor Sergio Barbosa, da Universidade Federal de Viçosa, ressaltou que o limite atual de 0,3% de THC no cânhamo inviabiliza a produção em condições brasileiras. Para ele, seria necessário ampliar esse teto para até 2%, como já ocorre em outros países.
O Paraguai e o Uruguai foram citados como exemplos de regulamentação bem-sucedida, com foco em segurança jurídica e atração de investimentos. Sergio Vazquez Barrios, do Ministério da Agricultura uruguaio, explicou que a estabilidade legal desde 2013 foi crucial para que o país se tornasse exportador de derivados de cannabis e cânhamo.
Inclusão social no campo
O advogado Emílio Figueiredo defendeu que a regulamentação deve priorizar a agricultura familiar e associações de pacientes. Segundo ele, a ausência de regras claras gera insegurança jurídica. Já Tatiana Ribeiro, do Grupo Centroflora, destacou programas de capacitação de agricultores que podem ser replicados para o setor do cânhamo, incentivando arranjos produtivos locais.
Com o lançamento do relatório, o Brasil se aproxima de um debate crucial: a possibilidade de transformar o cânhamo em uma nova fronteira agrícola, científica e industrial, com potencial de colocar o país entre os líderes do mercado global.