“Trump está tratando o Estado como se fosse uma empresa”, diz especialista

247 - Durante participação no programa Giro das 11, da TV 247, a advogada Elaini Silva, doutora em direito internacional pela USP e professora da PUC-SP, apontou com contundência os perigos que rondam a recente ofensiva do governo de Donald Trump contra o Brasil. A jurista denunciou que o presidente dos Estados Unidos — em seu segundo mandato desde 2025 — utiliza medidas comerciais como retaliação política e afirmou: “Trump está tratando o Estado como se fosse uma empresa”.

A declaração veio após a abertura de uma investigação comercial por parte dos EUA, com base na chamada seção 301, acusando o Brasil de adotar “práticas desleais” ao promover o Pix, sistema de pagamentos instantâneos desenvolvido pelo Banco Central. O relatório americano alega que o Pix prejudica empresas como Visa e Mastercard e representa uma ameaça ao sistema financeiro internacional liderado pelos EUA.

Elaini rebate essa narrativa e esclarece que não há qualquer violação a regras internacionais por parte do Brasil. “Essa medida não é uma prática desleal. O Pix não infringe nenhum acordo do FMI, do Banco Mundial ou da OMC. Não é uma imposição aos estrangeiros. Quem quiser continuar usando Visa e Mastercard, pode usar. Mas o Pix é mais eficiente, mais barato e está se expandindo até para fora do país”, explicou.

A jurista também enfatizou que a escalada de tarifas anunciada por Trump não responde a critérios técnicos. “Não se trata de disputa econômica. Trata-se de vingança política. É a tentativa de pressionar um país soberano por ter condenado um ex-presidente golpista, o Jair Bolsonaro. O mesmo foi feito com o Canadá e a Colômbia, em contextos distintos, mas igualmente políticos.”

Segundo ela, o impacto interno das tarifas, especialmente sobre produtos como suco de laranja, celulose e café, será sentido pelos próprios consumidores norte-americanos. “Trump está dando tiros no próprio pé. Esses produtos não têm substituto fácil. Ele está criando uma crise de abastecimento que vai afetar diretamente a população dos EUA.”

Elaini também chamou atenção para o risco de retaliações cruzadas. “Os Estados Unidos poderiam interromper pagamentos de royalties a marcas brasileiras ou restringir atividades de empresas nacionais no território americano. Serviços médicos, franquias, consultorias, até o setor de engenharia podem ser afetados. Tudo isso para atender a uma lógica eleitoral e não a uma lógica de Estado.”

A resposta do Brasil, segundo a especialista, está sendo conduzida em duas frentes: por meio de articulação política do vice-presidente Geraldo Alckmin junto ao empresariado, e por meio de um projeto de lei de reciprocidade aprovado no Congresso, que permite retaliar os EUA em outras áreas — inclusive ambientais. Ela alerta, no entanto, que a segunda medida pode provocar tensões com a União Europeia: “O Congresso está aproveitando a crise com Trump para avançar uma reação a regras ambientais impostas pelos europeus. Isso pode gerar novos conflitos.”

Elaini ainda lembrou que os Estados Unidos vêm perdendo participação no comércio exterior brasileiro. “Hoje eles representam apenas 12% das nossas exportações. Já fomos muito mais dependentes. O problema é mais político do que comercial.”

Ao fim da entrevista, a jurista defendeu a soberania digital como tema urgente. “Precisamos discutir quais são as nossas redes. Precisamos garantir servidores, sistemas e plataformas que estejam sob controle nacional. Se amanhã o Trump decide suspender o Google no Brasil, o que a gente faz? A resposta não pode ser só técnica, precisa ser política.”

Diante da imprevisibilidade do governo norte-americano, Elaini Silva concluiu com firmeza: “Trump não respeita nem as regras internas dos Estados Unidos. Ele vai além de todos os limites, inclusive legais. E o mundo precisa estar preparado para isso.” Assista: