Eugênio Aragão: condenação de Bolsonaro é a reabilitação do STF
Ex-ministro da Justiça aponta inconstitucionalidade da PEC da anistia e diz que tentativa de golpe segue em curso com novas ofensivas no Congresso
247 – O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirmou que a recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro representa "a reabilitação do Supremo Tribunal Federal (STF)" e classificou como "flagrante" a inconstitucionalidade da chamada PEC da anistia. A declaração foi feita em entrevista publicada no canal TV 247, no YouTube (assista aqui).
Segundo Aragão, a proposta discutida no Congresso para anistiar envolvidos nos atos golpistas afronta diretamente a independência entre os poderes. "A inconstitucionalidade dessa PEC é flagrante por um motivo muito simples: trata-se de uma iniciativa de anistiar pessoas que ainda estão sendo julgadas. Mais claro do que isso, em termos de intervenção do Legislativo na independência do Judiciário, não pode ser", afirmou.
Comparação com Lula e crítica ao comportamento de Bolsonaro
Durante a entrevista, Aragão destacou a diferença entre a postura do presidente Lula, que passou 580 dias preso injustamente, e a do ex-mandatário de extrema direita.
"Enquanto Lula reiterava sua inocência e respeitava o Judiciário, Bolsonaro não quer ser julgado. Ele acha que está infenso a qualquer tipo de crítica e marcha das instituições contra os absurdos cometidos no governo dele e por ele mesmo", declarou. Para o jurista, o movimento pela anistia apenas confirma que a tentativa de golpe de Estado não cessou, mas continua em curso no país.
Tarcísio de Freitas e a pressão sobre o STF
A entrevista também abordou a atuação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, citado em representações feitas ao Supremo Tribunal Federal. Segundo Aragão, Tarcísio interferiu indevidamente em outros poderes ao pressionar pela anistia e ao atacar ministros do STF. O ministro Alexandre de Moraes encaminhou as denúncias à Procuradoria-Geral da República e à Assembleia Legislativa paulista, que já recebeu pedidos de impeachment com base nessas acusações.
Além disso, foi lembrado que Tarcísio solicitou a liberação do passaporte de Bolsonaro, com o objetivo de facilitar sua saída para os Estados Unidos, onde buscaria apoio junto ao presidente Donald Trump. "Isso é mais um passo dos golpistas", alertou Aragão.
Redução de penas e riscos de retrocesso democrático
Questionado sobre o esforço de setores do Congresso para reduzir as penas impostas aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, Aragão foi categórico: "Não há que se reduzir penas, não há que se mexer nesses processos que acabam de ser julgados, sob pena de afrontar um princípio constitucional". Ele lembrou que os condenados podem recorrer a revisões criminais e instâncias internacionais, mas que a tentativa de mudar as decisões via política constitui ameaça ao Estado de Direito.
O jurista também relacionou a discussão atual com o histórico da anistia no Brasil. "A anistia de 1979, que deveria beneficiar perseguidos políticos, acabou servindo como aval para torturadores. O país andou muito mal porque não conseguiu desmontar sua doutrina militar perversa", disse.
O papel das Forças Armadas e a necessidade de mudança
Outro ponto central da fala de Aragão foi a crítica à permanência de uma doutrina militar autoritária. Ele defendeu que cabe ao poder civil, especialmente ao presidente da República, definir critérios para promoções de generais. "Se não mexermos na doutrina militar, continuaremos vulneráveis a novos golpes. O comando das Forças Armadas precisa estar comprometido com a democracia", ressaltou.
STF, foro privilegiado e oportunismo político
Aragão também comentou a inclusão de presidentes de partidos políticos no rol de beneficiados pelo foro privilegiado. Para ele, essa movimentação é "curiosa e incoerente", já que enquanto alguns réus lutam para sair da alçada do Supremo, outros tentam se proteger nele. "O Brasil já sofreu demais com arbitrariedades e oportunismos. Não é o momento de mexer em marcos jurídicos apenas para salvar aliados", concluiu.