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      Alejandro Slokar: “a integridade judicial é a última defesa contra o autoritarismo”

      Juiz do máximo tribunal penal argentino respalda o Supremo brasileiro e defende a regulação democrática das plataformas digitais

      Alejandro Slokar (Foto: Flickr)
      Redação Brasil 247 avatar
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      Por Henrique Attuch, especial para o Brasil 247 – O juiz Alejandro Slokar, integrante do máximo tribunal penal da Argentina, declarou apoio aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil. Em entrevista exclusiva ao 247, ele destacou que a integridade judicial é a última barreira contra ataques autoritários e alertou para as pressões locais e externas que buscam enfraquecer a magistratura independente na América Latina.

      Brasil 247 – No início do século XXI, a América Latina era vista como um farol de inclusão e justiça social. O que mudou desde então? Alejandro Slokar – Naquele momento, a região buscava ampliar direitos, reduzir desigualdades e consolidar políticas de redistribuição de renda. Porém, logo veio a reação de setores do bloco dominante, que recorreram inclusive à criminalização arbitrária para proscrever forças políticas comprometidas com as maiorias. Isso produziu uma democracia restrita. Mas no Brasil o colapso não foi definitivo, em parte graças ao papel do Supremo, que atuou na defesa das garantias fundamentais e do devido processo legal. Depois, a pandemia expôs desigualdades estruturais e coincidiu com uma onda reacionária de caráter neofascista global, marcada pela retomada de agendas autoritárias e antigualitárias.

      Ainda assim, a atual conjuntura mostra um novo mapa do poder mundial, com o Brasil de Lula assumindo papel de liderança na região.

      Brasil 247 – O senhor fala em neofascismo global. Como enxerga essa ameaça na América Latina? Slokar – A extrema direita não é novidade: traz em si uma vocação destrutiva contra o Estado e as conquistas sociais. Hoje, pretende-se transformar nosso continente em território financeiramente colonizado e reduzir nossas economias a enclaves neoextrativistas. Esse modelo ameaça a soberania e a inclusão. Além disso, essa nova direita opera em um ambiente comunicacional deformado: desaparece a racionalidade do debate público e surge o “terraplanismo ideológico”, onde o ódio e o trolling substituem a razão. É uma estratégia para gerar respostas emocionais e impedir conversas fundamentadas em argumentos.

      Brasil 247 – O Brasil se tornou referência mundial no combate à desinformação. Como avalia essa experiência? Slokar – É uma contribuição histórica. O STF brasileiro deu um passo inédito ao responsabilizar plataformas digitais pelos conteúdos que propagam ódio, notícias falsas e até a negação de genocídios reconhecidos pela ONU.

      Isso não é censura, mas sim fortalecimento da liberdade de expressão, porque protege o direito à informação da sociedade e dos grupos historicamente subordinados. Em essência, trata-se de garantir dignidade humana e valores constitucionais frente ao discurso que incita violência.

      Brasil 247 – O senhor também destacou o julgamento contra Bolsonaro. Qual a importância desse processo? Slokar – Foi uma decisão fundamental. O STF enfrentou uma tentativa de golpe de Estado, no qual redes sociais foram usadas para desacreditar o sistema de votação e convocar a ruptura institucional. Também foi decisiva a medida que bloqueou temporariamente o acesso à rede X, demonstrando que não pode haver “imunidade territorial” para empresas digitais.

      É preciso regular plataformas e inteligência artificial para fortalecer as instituições democráticas diante do extremismo digital.

      O direito internacional é claro: discursos que incitam hostilidade, discriminação ou violência não estão protegidos. O juiz tem o dever de defender a integridade judicial e a soberania democrática, sem ceder a pressões hegemônicas.

      Brasil 247 – Diante desse quadro, o que recomenda para resistir às novas direitas? Slokar – Sempre sugiro a leitura de Traços do novo radicalismo de direita, de Theodor Adorno, escrito em 1967. Ele lembrava que o fascismo sempre retorna porque as condições sociais que o originaram permanecem vivas. O caminho é apelar aos interesses reais das pessoas: conjurar a fome e gerar emprego. Em última instância, soberania é trabalho. Esse é o maior desafio de nossos povos frente ao capitalismo de acumulação financeira periférica.

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