Brasil prepara política para minerais estratégicos e enfrenta pressão dos EUA por acesso às reservas
Governo Lula desenvolve programa para agregar valor a recursos como lítio e grafita, enquanto Washington tenta usá-los como moeda de troca
247 – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está finalizando uma nova política nacional para minerais críticos, com foco na soberania estratégica e no fortalecimento da indústria brasileira. A informação foi publicada pelo jornal O Globo, que também apontou o crescente interesse do governo dos Estados Unidos, presidido por Donald Trump, no acesso a essas reservas minerais — especialmente diante da iminente imposição de sobretaxas a produtos brasileiros.
A iniciativa brasileira, chamada internamente de Mineração para Energia Limpa (MEL), vem sendo articulada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e prevê estímulos para ampliar o mapeamento geológico do território nacional, facilitar o financiamento de novos projetos e garantir maior participação de pequenas empresas no setor. Uma das medidas em análise é a autorização para emissão de debêntures incentivadas — títulos com benefícios fiscais — voltadas à produção e ao beneficiamento desses minerais.
Entre os recursos em foco estão lítio, cobre, grafita, silício, terras-raras, nióbio e vanádio, fundamentais para setores estratégicos como energia renovável, mobilidade elétrica, defesa e tecnologia de ponta. O Brasil detém algumas das maiores reservas globais, mas ainda participa com baixa expressão na produção mundial desses materiais. Segundo o Guia para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos 2025, elaborado pelo próprio MME, o país possui, por exemplo, 26,4% das reservas de grafita, mas responde por apenas 4,56% da produção global. No caso das terras-raras, tem 19% das reservas, mas apenas 0,02% da produção.
O alerta sobre a assimetria entre potencial e realidade foi reforçado por Jorge Boeira, engenheiro de minas e analista da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI):
“Nesse contexto, os minerais podem, sim, ser usados como moeda de troca em negociações internacionais, mas com uma condição importante: o Brasil precisa definir com clareza qual seu projeto de desenvolvimento para esses recursos.”
Para Boeira, transformar o potencial mineral em vantagem geopolítica exige uma estratégia nacional robusta, que vá além da simples exportação de matérias-primas.
“Não se trata apenas de vender minério bruto, mas de negociar inserção qualificada em setores de ponta da economia global. Se o país conseguir construir políticas que associem a exportação desses minerais ao fortalecimento da sua indústria — por exemplo, exigindo contrapartidas em transferência de tecnologia, investimentos em beneficiamento e manufatura de materiais avançados localmente ou parcerias em inovação — então esses recursos deixam de ser apenas commodities e passam a ser instrumentos estratégicos.”
A movimentação de Washington sobre o tema foi direta: na quarta-feira (24), o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, procurou representantes do setor mineral brasileiro para manifestar o interesse americano no acesso aos recursos estratégicos. A abordagem ocorre em paralelo à tensão causada pela decisão dos EUA de aplicar uma sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros, a partir de 1º de agosto — o que acendeu o sinal de alerta sobre o possível uso dos minerais críticos como moeda de troca nas tratativas comerciais.
Há ainda um pano de fundo político: o presidente Trump tem reiterado que a relação comercial com o Brasil prejudica os EUA e se queixa da atuação do Judiciário brasileiro em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele também tem criticado regras brasileiras sobre plataformas digitais. A Casa Branca insinua que a resolução das tarifas poderia vir acompanhada de concessões em temas como a exploração mineral, algo que o governo Lula rejeita, mantendo-se restrito à esfera comercial.
O programa MEL busca justamente criar um ambiente em que o Brasil não apenas explore, mas beneficie e industrialize seus minerais, posicionando-se com mais peso nas cadeias produtivas globais. Como o subsolo é propriedade da União, e sua exploração depende de concessões federais, o país detém uma ferramenta poderosa para definir os termos de acesso aos seus recursos.
Com potencial abundante e uma nova política em construção, o Brasil tenta transformar sua geologia em vetor de desenvolvimento, evitando repetir o histórico ciclo de exportação de bens primários com pouco valor agregado. A disputa por minerais estratégicos — em um cenário global cada vez mais marcado por tensões e transições tecnológicas — coloca o país diante de uma encruzilhada entre dependência e soberania industrial.
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