Soberania argentina pode estar à venda com aporte financeiro dos EUA
Encontro entre Javier Milei e Donald Trump na Casa Branca reacende debate sobre dependência argentina de Washington e possível isolamento internacional
247 – O presidente da Argentina, Javier Milei, visitou nesta terça-feira (14) a Casa Branca, em seu primeiro encontro oficial com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desde o início do atual governo norte-americano. A notícia foi publicada originalmente pela Sputnik Brasil.
Com a economia em colapso e dependente de crédito externo, Milei tenta garantir um apoio financeiro de US$ 20 bilhões prometido pelo secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent. O pacote incluiria a compra de títulos da dívida argentina e um crédito direto via Fundo de Estabilização Cambial. No entanto, analistas alertam que o preço político e geopolítico dessa ajuda pode ser alto — e representar uma nova forma de subordinação da Argentina aos interesses de Washington.
Acordos sob pressão
Durante o encontro, Bessent destacou que o governo Trump espera que Milei mantenha suas reformas liberais e alertou sobre as eleições legislativas que se aproximam no país. Trump, por sua vez, foi ainda mais direto:
“Se Milei não sair vitorioso, não seremos generosos com a Argentina.”
A reunião marcou o quarto encontro entre Milei e Trump em menos de um ano, evidenciando a aproximação política entre ambos. Especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, avaliam que essa relação reafirma o alinhamento ideológico do governo argentino com Washington.
Dependência histórica e submissão inédita
Para Matheus Pereira, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a dependência argentina do crédito norte-americano é antiga, mas o atual governo estaria levando isso a um nível inédito:
“Os níveis de submissão aos Estados Unidos apresentados por Milei são inéditos.”
Pereira destaca que, embora governos anteriores como os de Carlos Menem e Maurício Macri também tenham mantido forte alinhamento com os EUA, Milei reforça essa dependência não apenas econômica, mas também política e estratégica.
Risco de isolamento e nova crise
O professor alerta ainda para a imprevisibilidade do governo Trump, que representa um risco direto para Buenos Aires. Caso os acordos não se concretizem, o país pode enfrentar nova fuga de capitais, resultando em inflação, aumento da pobreza e colapso social.
A professora Regiane Bressan, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alerta para outro efeito colateral: o isolamento internacional da Argentina.
“Quando a Argentina se alinha de forma tão direta com os Estados Unidos, especialmente com um governo controverso como o de Trump, ela corre o risco de sofrer constrangimento e isolamento internacional.”
Disputa com a China: pressão de Washington
Em entrevista à Fox News, o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, afirmou que Milei é “um grande aliado dos EUA” e estaria comprometido em expulsar a China da Argentina, o que ampliou o debate sobre soberania e pragmatismo econômico.
Segundo Pereira, esse cenário é improvável:
“Não existe possibilidade de o governo Milei romper relações comerciais com os chineses. Se ele pudesse fazer algo dessa natureza, já teria feito.”
Bressan lembra que a Argentina ainda depende do swap cambial com a China, enquanto enfrenta forte pressão dos EUA para romper o acordo.
“A crise financeira está sendo usada para reforçar a influência de Washington na América do Sul. Isso é uma violação da soberania econômica argentina.”
Tropas norte-americanas em solo argentino?
Outra polêmica envolve a possível autorização para entrada de tropas norte-americanas em território argentino sob o pretexto de exercícios conjuntos. Embora Milei tenha sinalizado positivamente, a Constituição exige aprovação do Congresso — onde o presidente não possui maioria.
Para Pereira, a medida dificilmente passará. Já Bressan avalia que aceitar tropas estrangeiras teria “um custo político altíssimo”:
“A presença militar americana seria vista como uma entrega de soberania e alimentaria protestos nas ruas. Milei perderia apoio até entre seus aliados.”
“Soberania em troca de dólares”
Analistas apontam que a situação coloca Milei diante de um dilema histórico: salvar a economia ou preservar a soberania nacional.
“A venda da soberania seria um ponto central, já que, no desespero por dólares, Milei pode ser acusado de trocar a soberania nacional por dinheiro dos Estados Unidos”, conclui Bressan.
O futuro da Argentina, portanto, dependerá não apenas da ajuda financeira de Washington, mas da capacidade de Milei em equilibrar suas alianças sem transformar o país em refém de uma nova dependência externa.


