Letalidade policial explode em SP sob Tarcísio; só 2% dos PMs que matam são condenados
Mesmo com aumento de 65% nas mortes causadas por policiais em 2024, maioria dos casos é arquivada e punições são raras, revela pesquisa da USP
247 - A letalidade policial disparou em São Paulo sob a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas a responsabilização de agentes por mortes continua sendo uma exceção. Apenas 2% dos policiais militares envolvidos em homicídios são condenados no estado, segundo levantamento realizado por Débora Nachmanowicz, mestre em Direito pela USP. O tema voltou ao centro do debate após a divulgação de imagens em que dois PMs executam um homem desarmado em Paraisópolis, na zona sul da capital paulista.
O jornal O Globo teve acesso ao estudo da pesquisadora. O material analisou 1.293 inquéritos e ações judiciais que envolvem mortes cometidas por PMs na cidade de São Paulo entre 2015 e 2020. Os dados revelam que 85% dos casos foram arquivados, 10% resultaram em denúncias e menos de 2% culminaram em condenações. Entre os processos que chegaram ao Tribunal do Júri, apenas 46% terminaram com vereditos de culpa.
Jurados sob pressão e investigações frágeis - Segundo Nachmanowicz, há um contexto de intimidação que permeia os julgamentos envolvendo PMs. “Existe um receio, porque o nome dos jurados é público. E estamos falando das forças de segurança, com acesso a sistemas de dados”, destacou. Em suas observações durante sessões do júri, ela identificou a presença constante de colegas dos réus nas galerias dos tribunais, o que pode gerar constrangimento, embora a pesquisadora ressalte que não há como afirmar uma relação direta entre isso e as absolvições.
Outro fator relevante é a fragilidade das investigações, frequentemente baseadas apenas na versão do policial envolvido. “Em poucos casos temos testemunhas ou um laudo necroscópico absurdo, que aponte um tiro à queima-roupa ou algo que chame a atenção do promotor para tentar se produzir mais provas para uma denúncia”, explicou Nachmanowicz. Segundo ela, a ausência de elementos probatórios consistentes favorece a tese de legítima defesa, recorrente nas decisões de arquivamento.
Câmeras corporais revelam execução em Paraisópolis - O caso mais recente, ocorrido na quinta-feira (10), chocou pela brutalidade e pelo flagrante captado pelas próprias câmeras dos policiais. Os cabos Renato Torquatto da Cruz e Robson Noguchi de Lima foram gravados matando Igor Oliveira de Moraes Santos, de 24 anos, mesmo após ele se render. As imagens mostram que, após uma primeira troca de tiros, o jovem aparece com as mãos levantadas ao lado da cama, quando é alvejado a curta distância. Em seguida, os policiais parecem perceber que estavam sendo gravados e comentam: “as COP, as COP”, em alusão às câmeras operacionais portáteis.
Diferente do sistema anterior, que gravava ininterruptamente, o novo modelo utilizado pelos policiais exige ativação manual. No entanto, uma das câmeras foi ligada por engano ou por disparo automático e ativou todas as outras em um raio de 20 metros via Bluetooth. Esses equipamentos também captam os 90 segundos anteriores à ativação, o que garantiu o registro do momento da execução.
O mesmo sistema que levou à prisão em flagrante dos cabos havia servido para inocentá-los meses antes. Em uma operação de 2023 na mesma região, as gravações indicaram que a dupla agiu dentro da legalidade ao atirar em um suspeito armado, o que levou o Ministério Público a arquivar o caso.
SSP silencia, Tarcísio se esquiva - A morte de Igor Santos gerou protestos em Paraisópolis, com depredações, incêndios e confronto com a PM. O porta-voz da corporação, coronel Emerson Massera, confirmou a prisão dos agentes no dia seguinte. O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), permanece em silêncio. Já o governador Tarcísio de Freitas afirmou, dias após a ação, que sua gestão não tolera “desvio”, “ilegalidade” e “abuso”.
Apesar de uma breve redução no número de mortes decorrentes de intervenção policial no primeiro trimestre — de 210 para 158, na comparação anual — o estado registrou 760 casos em 2024, o que representa um salto de 65% em relação a 2023, quando foram contabilizadas 460 mortes. A média diária é de dois óbitos causados por PMs no estado.
O cenário contrasta com os números de 2022, último ano do governo Rodrigo Garcia (PSDB), que havia ampliado o programa de uso de câmeras corporais. Naquele ano, foram 396 mortes — o menor número desde 2017.
Reincidência, impunidade e permanência nas ruas - A sequência de casos de violência policial não se limita ao episódio de Paraisópolis. No dia seguinte, o cabo Fábio Anderson Pereira de Almeida, fora de serviço, matou o marceneiro Guilherme Dias Ferreira em Parelheiros, zona sul da capital. Guilherme, que havia acabado de sair do trabalho, foi confundido com um assaltante. O PM chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança e responde em liberdade. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, ele está afastado das atividades operacionais.
Outros casos não tiveram sequer afastamento. O cabo Clóvis Damasceno de Carvalho Júnior, acusado de matar o menino Ryan Santos, de 4 anos, durante uma operação em Santos em novembro de 2023, já voltou à atividade nas ruas. Também estão de volta os soldados Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, denunciados por homicídio duplamente qualificado na morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, em novembro de 2024, na Vila Mariana. Nenhum dos dois foi preso.
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