PEC da Blindagem é vista como ameaça à separação de Poderes e deve parar no STF
Juristas afirmam que proposta fere cláusulas pétreas e pode facilitar a entrada de organizações criminosas no Congresso
247 - A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que cria obstáculos para ações judiciais contra parlamentares, é vista como uma medida inconstitucional por juristas ouvidos pelo O Globo. Segundo especialistas em Direito Constitucional, o texto fere princípios fundamentais da Carta Magna, especialmente o da separação entre os Poderes, e deve acabar sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Outro ponto que gera forte contestação é a previsão de votação secreta no Congresso para autorizar processos criminais contra seus membros. Para os juristas, além de reduzir a transparência, a medida abre espaço para que organizações criminosas ampliem sua presença na política.
Risco de invasão ao Judiciário
O advogado criminalista Renato Vieira classificou a proposta como um retrocesso. “Estamos revivendo um dique de contenção sobre algo que pertence à atividade do Poder Judiciário, e isso representa um risco seríssimo”, afirmou. Para ele, ao transferir ao Legislativo a prerrogativa de decidir sobre denúncias do Ministério Público, a PEC cria um mecanismo que desvirtua o papel de instituições autônomas. “O poder Legislativo não pode ser juiz de si mesmo”, completou.
STF e cláusulas pétreas
O professor Gustavo Sampaio, da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacou que a proposta pode ser invalidada pelo STF. “A partir do momento que o Congresso determina um impedimento para a realização de buscas e apreensões nos gabinetes parlamentares e até mesmo para a abertura dos processos criminais, lá na frente, caso seja acionado, o Supremo poderia se manifestar sob o entendimento de que ela violaria a separação dos Três Poderes, uma das cláusulas pétreas”, explicou.
Na mesma linha, o professor Daniel Sarmento, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), reforçou que outros princípios constitucionais também seriam afetados. “Além de ir contra o núcleo de pesos e contrapesos entre os Poderes, esse texto visa estabelecer privilégios que são incompatíveis com a igualdade, que também é uma cláusula pétrea da Constituição. É uma medida profundamente antirrepublicana”, declarou.
Voto secreto e falta de transparência
A adoção do voto secreto para a autorização de processos foi vista como um grave retrocesso. O advogado Antônio Carlos de Freitas Jr., especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, ressaltou a importância da transparência. “A regra tem que ser a transparência, para que o eleitor saiba como o seu candidato, ao se tornar parlamentar, está votando”, disse.
Porta aberta para o crime organizado
Freitas Jr. ainda alertou que a PEC pode funcionar como incentivo para que facções criminosas disputem mandatos no Legislativo. “Pode haver um processo terrível de politização da criminalidade, trazendo organizações criminosas que buscam mandatos, antes para terceiros, para seus próprios integrantes. É como se fosse um ‘007’, uma licença para delinquir e adotar comportamentos criminosos”, afirmou.