Defesa de Bolsonaro aposta em voto de Fux para adiar conclusão do julgamento
Possível divergência do ministro do STF pode abrir caminho para recurso e levar o caso ao Plenário, atrasando a decisão sobre tentativa de golpe
247 – As discussões internas no Supremo Tribunal Federal (STF) podem alterar os rumos do julgamento de Jair Bolsonaro, acusado de tentativa de golpe de Estado. Segundo reportagem publicada pelo jornal Estado de S. Paulo (leia aqui), as recentes sinalizações do ministro Luiz Fux alimentam a expectativa da defesa de que ele abra divergência na Primeira Turma. Caso isso ocorra, os advogados acreditam que será possível acionar os embargos infringentes, recurso que levaria o processo ao Plenário, com 11 ministros, atrasando os efeitos da decisão e reabrindo a análise do mérito.
Embora reconheçam as altas chances de condenação, as defesas apostam que Fux pode divergir em pontos como a dosimetria das penas ou a absorção de crimes, linha que já adotou em julgamentos relacionados aos réus do 8 de janeiro. Juristas, no entanto, afirmam que o STF terá de enfrentar a questão dos embargos diante da ausência de precedentes claros e da lacuna no regimento interno.
O peso das divergências no Supremo
Além de Bolsonaro, também serão julgados os generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o ex-ministro Anderson Torres, o deputado Alexandre Ramagem e o tenente-coronel Mauro Cid. Eles respondem por crimes como organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e deterioração de patrimônio tombado.
O professor do Insper Luiz Gomes Esteves explica que a principal controvérsia será sobre quantos votos divergentes são necessários para admitir os embargos. Ele lembra que, em 2018, no caso Paulo Maluf, o STF decidiu que seriam precisos ao menos dois votos divergentes nas Turmas. “Sai a sentença e, com ela, a defesa apresenta embargos. Se Moraes optar por decidir sozinho, caberá recurso e o assunto acabará no Plenário. Ele deve se antecipar a isso”, afirmou Esteves.
O criminalista Marcelo Crespo, da ESPM-SP, entende que “basta um voto divergente para abrir a discussão novamente”. Já a pesquisadora da USP Ana Laura Barbosa avalia que até discordâncias sobre a dosimetria da pena seriam suficientes para justificar os embargos: “Esse é o caminho que vejo com mais chances de ser explorado pelas defesas, ao lado de teses como a absorção de crimes”.
Casos recentes expõem divisões
O relator Alexandre de Moraes já rejeitou recurso semelhante no julgamento da militante Débora Rodrigues, acusada de pichar a estátua “A Justiça” em 8 de janeiro. Na ocasião, Moraes considerou que seriam necessários dois votos de absolvição para remeter o caso ao Plenário, decisão contestada pela defesa. O episódio evidenciou a divisão dentro do Supremo e reforçou o peso de um eventual voto divergente de Fux.
Entre os pontos em que o ministro já demonstrou disposição para divergir estão a aplicação do princípio da consunção (absorção de crimes de menor gravidade por outros mais amplos), a dosimetria das penas, a delação de Mauro Cid e a diferenciação entre atos preparatórios e executórios no golpe.
Expectativa de embate prolongado
Em julgamento recente contra o ex-presidente Fernando Collor, o Plenário decidiu, por 6 a 4, que os embargos só cabem em casos de absolvição total ou parcial. Ainda assim, especialistas ressaltam que o tema não está pacificado. “Há sim a possibilidade real de não haver unanimidade e essa discussão ser levada ao Plenário. Com certeza o debate vai retornar e pode dividir o Supremo”, afirmou Ana Laura Barbosa.
A defesa de Anderson Torres aposta nesse caminho. “Eles vão ter que preparar um acórdão muito bem consolidado, muito bem fundamentado nas provas. Vai ser um embate interessante”, disse o advogado Eumar Novacki. Já o criminalista Gustavo Badaró, que integra a defesa de Bolsonaro, avalia que “dada a complexidade do caso, é um recurso que inevitavelmente será manejado”.
Assim, cresce a expectativa de que o julgamento, que pode definir o futuro político de Jair Bolsonaro e de seus aliados, seja prolongado caso o Supremo não alcance unanimidade.