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Militares israelenses sabiam de evidências de crimes de guerra, aponta inteligência dos EUA

Documentos revelam que advogados militares de Israel alertaram sobre violações legais durante ofensiva em Gaza, mas EUA mantiveram apoio

Palestinos caminham em meio aos escombros e ao genocídio na Cidade de Gaza - 31/10/2025 (Foto: REUTERS/ Ebrahim Hajjaj)

247 - A inteligência norte-americana reuniu, no final de 2024, informações confidenciais indicando que advogados militares de Israel alertaram o governo de seu país sobre a existência de provas que poderiam embasar acusações de crimes de guerra relacionados à ofensiva em Gaza. As operações, que dependiam fortemente de armamentos fornecidos pelos Estados Unidos, provocaram inquietação entre autoridades jurídicas de Washington.

A reportagem foi publicada pela agência Reuters nesta sexta-feira (7), com base em entrevistas com cinco ex-funcionários dos Estados Unidos que acompanharam de perto o debate interno durante o governo de Joe Biden. Segundo a apuração, o material de inteligência, descrito como “um dos mais alarmantes” compartilhados com altos formuladores de políticas norte-americanas, expôs divergências dentro do próprio Exército israelense sobre a legalidade de suas ações — em contraste com o discurso público de defesa do país.

Dúvidas sobre a legalidade e debate interno em Washington

Dois ex-funcionários relataram que os documentos só foram amplamente distribuídos dentro do governo norte-americano em dezembro de 2024, às vésperas de uma audiência no Congresso. O conteúdo ampliou as preocupações na Casa Branca quanto à condução da guerra, especialmente diante das crescentes denúncias de ataques deliberados contra civis e trabalhadores humanitários — práticas que, se confirmadas, configurariam crimes de guerra.

O relatório de inteligência levou a uma reunião de emergência no Conselho de Segurança Nacional, em que assessores e advogados debateram as implicações legais de continuar fornecendo armas e informações a Israel. Pela legislação dos Estados Unidos, uma constatação formal de crimes de guerra obrigaria a suspensão imediata de apoio militar e de compartilhamento de inteligência.

Apesar das preocupações, o governo Biden concluiu que não havia provas suficientes de que Israel violara intencionalmente o direito internacional. Essa interpretação permitiu a continuidade do suporte logístico e bélico, ainda que vários assessores expressassem frustração com o que chamaram de “evasivas jurídicas” para justificar uma decisão política.

Alertas ignorados e tensões no Departamento de Estado

Mesmo antes das conclusões da inteligência, advogados do Departamento de Estado já alertavam sobre a conduta israelense. Segundo cinco ex-funcionários citados pela Reuters, desde dezembro de 2023 esses profissionais vinham advertindo o secretário de Estado Antony Blinken sobre possíveis violações do direito humanitário internacional.

“Eles viam o papel deles como justificar uma decisão política”, disse um dos ex-funcionários. Outro completou: “Mesmo quando as evidências apontavam claramente para crimes de guerra, a carta de alforria era a necessidade de provar a intenção”.

Em maio de 2024, um relatório oficial do Departamento de Estado reconheceu que Israel “pode ter violado” normas internacionais ao usar armas norte-americanas em Gaza, mas evitou qualquer conclusão definitiva, alegando “a névoa da guerra”. Blinken, por meio de um porta-voz, limitou-se a afirmar que “a administração Biden revisou constantemente a conformidade de Israel com as leis de conflito armado”.

Mortes, acusações e impacto político

De acordo com autoridades de saúde de Gaza, mais de 68 mil palestinos foram mortos durante dois anos de ofensiva israelense, enquanto Israel sustenta que pelo menos 20 mil dessas vítimas eram combatentes do Hamas.

A Corte Penal Internacional (CPI) emitiu, em novembro de 2024, mandados de prisão contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, seu ex-ministro da Defesa e o líder do Hamas, Mohammed Deif, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Israel rejeitou a jurisdição do tribunal, enquanto o Hamas negou ter cometido crimes semelhantes.

Nos bastidores de Washington, assessores temiam que uma conclusão formal sobre crimes de guerra israelenses obrigasse o governo norte-americano a cortar seu apoio, o que poderia, segundo eles, “encorajar o Hamas e enfraquecer as negociações de cessar-fogo”. A posição final, contudo, foi criticada por parlamentares democratas.

O senador Chris Van Hollen, de Maryland, afirmou à Reuters que o caso demonstra “um padrão de cegueira deliberada do governo Biden diante do uso e abuso de armas americanas em Gaza”.

Reação israelense e contexto pós-Biden

A embaixada de Israel em Washington, por meio do embaixador Yechiel Leiter, não comentou o conteúdo da inteligência revelada. Tampouco o gabinete do primeiro-ministro israelense respondeu aos pedidos da agência.

O atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que assumiu o cargo em janeiro de 2025, foi informado sobre os relatórios, mas — segundo as fontes — “demonstrou pouco interesse” no assunto, reforçando uma postura ainda mais alinhada a Israel.

Enquanto o debate internacional se intensifica, Israel enfrenta também uma acusação de genocídio na Corte Internacional de Justiça, que o país descreve como “politicamente motivada”.

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