Como a estratégia de Israel na Cisjordânia busca enterrar a criação do Estado palestino
Expansão acelerada de assentamentos israelenses fragmenta território palestino e ameaça inviabilizar solução de dois Estados
247 – Enquanto cresce o movimento internacional de reconhecimento do Estado da Palestina, Israel acelera sua política de assentamentos na Cisjordânia ocupada, em uma estratégia que ameaça inviabilizar de forma definitiva a solução de dois Estados. A reportagem é da Reuters (leia aqui o original), que mapeou a expansão dos assentamentos ao longo de décadas e detalhou como essa prática vem fragmentando o território palestino.
Segundo a agência, a ocupação israelense da Cisjordânia — lar de 2,7 milhões de palestinos — transformou-se no principal obstáculo à criação de um Estado palestino soberano. Embora a proposta da solução de dois Estados, incluindo Gaza e Jerusalém Oriental como futura capital palestina, seja apoiada pela maioria da comunidade internacional, a realidade no terreno mostra o contrário: estradas exclusivas, colônias protegidas pelo exército e áreas declaradas como “zonas militares” ou “reservas naturais” restringem drasticamente o acesso palestino à terra.
Reconhecimento internacional x política de anexação
No último 21 de setembro, países como Austrália, Reino Unido, Canadá e Portugal formalizaram o reconhecimento da Palestina, juntando-se à maioria dos membros da ONU que já haviam feito o mesmo. Para o ministro das Relações Exteriores palestino, Varsen Aghabekian Shahin, esse passo representa um marco irreversível:
“O reconhecimento trouxe a independência e a soberania palestina para mais perto”, declarou.
Israel, no entanto, reagiu intensificando sua política expansionista. O governo de Benjamin Netanyahu, apoiado por partidos ultranacionalistas e pró-colonos, aprovou novos blocos de assentamentos, como o polêmico projeto E1, que cortará a Cisjordânia ao meio e a separará de Jerusalém Oriental. O projeto prevê o deslocamento forçado de 2.500 moradores beduínos da região.
Impacto direto na vida palestina
A expansão dos assentamentos não é apenas um impasse diplomático. Para os palestinos, representa a perda cotidiana de direitos básicos e de acesso às próprias terras. Mohammad al-Jahalin, morador da comunidade beduína de Jabal al-Baba, teme o isolamento total da cidade vizinha:
“Se construírem essa estrada, estaremos separados de Al-Eizariya completamente”, afirmou.
Casos de violência também são frequentes. O agricultor palestino Tareq Shihadeh, de 80 anos, recorda que sua família já não consegue acessar as terras herdadas devido a ataques de colonos armados. Seu neto resume:
“É a poucos minutos daqui, mas não podemos chegar lá”, disse o jovem Tareq.
Organizações como a israelense B’Tselem e a Human Rights Watch denunciam o avanço da colonização como prática sistemática de expropriação, marcada por agressões, restrições de movimento e dupla aplicação da lei: colonos israelenses são julgados pelo código civil, enquanto palestinos vivem sob lei militar.
Decisões da ONU ignoradas
Apesar de sucessivos alertas da ONU — desde a Resolução 242 de 1967 até a recente decisão da Corte Internacional de Justiça que classificou a ocupação como ilegal e exigiu a retirada imediata dos colonos — Israel mantém sua política expansionista. Dados da ONG israelense Peace Now revelam que, desde 2023, o número de unidades habitacionais aprovadas na Cisjordânia superou o total dos nove anos anteriores somados.
Um futuro cada vez mais distante
Hoje, a Cisjordânia abriga cerca de 500 mil colonos israelenses, distribuídos em assentamentos que variam de pequenas “outposts” ilegais até grandes cidades, algumas com mais de 80 mil habitantes. Esses núcleos são interligados por uma malha de estradas exclusivas, bloqueios militares e muros que restringem drasticamente a mobilidade palestina.
Com checkpoints que multiplicaram após os ataques de 7 de outubro de 2023, viagens curtas podem levar horas. O Escritório da ONU para Assuntos Humanitários (OCHA) documentou, em 2025, 850 obstáculos à circulação de palestinos, contra 565 antes da guerra em Gaza.
Mesmo diante dessa realidade, pesquisas apontam que a maioria dos palestinos ainda apoia a solução de dois Estados. Contudo, o avanço agressivo dos assentamentos, aliado à posição intransigente do governo israelense, reforça a percepção de que a criação de um Estado palestino independente se torna cada vez mais improvável.