ABI homenageia Gustavo de Lacerda na China e alerta para pressão dos EUA contra o Brasil
Durante fórum internacional, entidade denunciou ameaça de taxações por Donald Trump e defendeu soberania brasileira na regulação das big techs
247 - A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) esteve representada no Fórum de Jornalistas da Iniciativa Cinturão e Rota de 2025, realizado entre os dias 15 e 19 de julho nas cidades chinesas de Nanchang e Ganzhou, com forte protagonismo na defesa da soberania informacional e na valorização da história do jornalismo brasileiro.
Os jornalistas Jamile Barreto, 2ª secretária do Conselho Deliberativo da ABI e integrante da diretoria de Igualdade Étnico-Racial, e Marcelo Auler, conselheiro da entidade, participaram do encontro que reuniu cerca de 100 representantes da imprensa de mais de 50 países. Sob o tema “Promovendo diálogos civilizacionais e a modernização global com o poder dos jornalistas”, o evento discutiu os desafios globais da comunicação e os caminhos para uma ordem informativa mais equitativa.
Homenagem a Gustavo de Lacerda - Em discurso que representou não apenas a ABI, mas também os jornalistas da América Latina, Jamile Barreto exaltou o fundador da entidade, Gustavo de Lacerda, destacando sua importância histórica e simbólica para a luta pela liberdade de imprensa e igualdade racial no Brasil. “Ele foi mais do que um visionário ao criar uma instituição que se tornou pilar da liberdade de imprensa e da democracia no Brasil — foi também um ancestral que inspira, especialmente a nós, pessoas negras, a ocupar espaços de poder e a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária”, afirmou.
Barreto reforçou ainda a importância de uma comunicação mais plural, inclusiva e comprometida com a transformação social, além de destacar a necessidade de descentralizar narrativas globais, atualmente dominadas por grandes centros hegemônicos.
Críticas aos EUA e alerta sobre as big techs - Já o jornalista Marcelo Auler, em sua participação nas mesas-redondas do evento — uma com colegas latino-americanos e outra internacional —, chamou atenção para a atual conjuntura geopolítica envolvendo o Brasil e os Estados Unidos. Segundo ele, o país tem sido alvo de ameaças econômicas por parte do governo do presidente norte-americano Donald Trump em resposta ao fortalecimento das relações brasileiras com a China no âmbito dos BRICS.
“Nesses dias em que estamos aqui, a soberania nacional do Brasil foi atacada pela administração de Donald Trump. Entendemos que essa pressão se deve à nossa participação nos BRICS. Isto também está por trás do pedido de anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que tentou em 2022 dar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Tudo isto contando com o apoio das grandes big techs, o que me faz alertar a todos da necessidade de que todos os países decidam regular essas plataformas que tentam impor suas posições ideológicas a todos os lados”, declarou Auler.
O jornalista denunciou que Trump passou a ameaçar o Brasil com uma tarifa de 50% sobre exportações, em um movimento visto como retaliação aos investimentos chineses no país. Ele também defendeu que cada nação tenha liberdade para criar sua própria legislação sobre plataformas digitais, sem interferência externa.
Apelo por cooperação internacional - Durante a cerimônia de abertura do evento, o presidente da Associação de Jornalistas de Toda a China, He Ping, destacou o papel dos meios de comunicação como pontes de entendimento entre as civilizações. “Devemos amplificar a voz da paz para garantir a continuidade das civilizações”, disse.
Andrei Kryvasheyeu, presidente rotativo da Rede de Jornalistas da Iniciativa Cinturão e Rota, também fez um apelo à colaboração entre jornalistas de todo o mundo para combater desinformação, preconceitos e distorções por meio de uma cobertura comprometida com os fatos.
A programação do fórum incluiu visitas a museus, centros de tecnologia e atividades de intercâmbio cultural, além das mesas-redondas temáticas que proporcionaram um panorama global das diferentes realidades enfrentadas pelos jornalistas em seus países.
Leia a íntegra do discurso de Jamile Barreto:
Senhoras e senhores,
Permitam-me compartilhar algo pessoal: estar aqui hoje, neste momento tão simbólico da minha trajetória, representa mais do que uma realização profissional — é também a celebração de um caminho marcado por desafios, escolhas corajosas e, sobretudo, por encontros transformadores.
Sou filha de muitas vozes. Trago comigo as histórias da minha família, especialmente das mulheres negras que me antecederam e que, mesmo sem acesso aos espaços que hoje ocupo, sonharam este futuro comigo. Cada passo meu é sustentado por esse legado de resistência e esperança.
Chegar até este momento não foi simples. Esta presença é fruto de um percurso que desafia estatísticas e rompe barreiras impostas a tantas mulheres negras. Estar neste palco, é mais do que uma conquista individual — é a afirmação de que novos caminhos estão sendo abertos para toda uma geração.
Essa jornada só foi possível graças ao apoio e ao acolhimento que encontrei na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Agradeço ao presidente Octavio Costa e aos jornalistas Marcos Gomes e Luiz Paulo Lima, da diretoria de Igualdade Racial da ABI, por caminharem ao meu lado e impulsionarem ações comprometidas com a diversidade e a justiça racial no jornalismo. E ao colega jornalista Marcelo Auler, que me acompanha nesta representação institucional.
Como jornalista com atuação voltada aos direitos humanos e à equidade racial, tenho buscado contribuir para uma comunicação mais plural, consciente e comprometida com a transformação social.
Hoje, minha voz ressoa como marca de uma presença histórica, mas também como expressão de competência, preparo e compromisso com uma comunicação capaz de transformar realidades.
É uma honra representar a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e, sobretudo, como mulher negra, representar os jornalistas da América Latina neste importante Fórum de Jornalistas da Iniciativa Cinturão e Rota. Este evento, que promove “diálogos civilizacionais e a modernização global com o poder dos jornalistas”, é uma oportunidade valiosa para refletirmos sobre o papel essencial da comunicação no mundo contemporâneo.
Gostaria de começar destacando a figura de Gustavo de Lacerda, fundador da ABI em 1908. Ele foi mais do que um visionário ao criar uma instituição que se tornou pilar da liberdade de imprensa e da democracia no Brasil — foi também um ancestral que inspira, especialmente a nós, pessoas negras, a ocupar espaços de poder e a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. Seu legado transcende o tempo, e é com esse espírito que me apresento.
Este fórum, embora recente, já se consolida como espaço fundamental para pensarmos a comunicação como ponte entre civilizações. Ela é, sem dúvida, ponto de partida e de chegada. É por meio dela que compartilhamos saberes, construímos legados e conectamos passado, presente e futuro.
E é neste ponto que entra a dimensão geopolítica da comunicação. Vivemos um momento histórico em que a descentralização das narrativas globais se torna urgente. Durante muito tempo, poucas vozes — oriundas de centros hegemônicos — determinaram o que era notícia, o que era importante, o que merecia ser lembrado. No entanto, estamos testemunhando o surgimento de uma nova arquitetura da informação: mais multipolar, mais representativa, mais fiel à diversidade do mundo real. Descentralizar a comunicação é também descentralizar o poder. É permitir que América Latina, África, Ásia e outras regiões historicamente silenciadas não apenas relatem suas histórias, mas também moldem o imaginário global.
Reforço a importância da educação como caminho para uma sociedade mais justa, equânime e diversa. Comunicação e educação andam juntas — porque não basta informar, é preciso formar. Precisamos preparar as futuras gerações para ocupar com dignidade os espaços que estamos abrindo. O legado que deixamos só se sustenta quando encontra continuidade em pessoas prontas para ampliá-lo.
Deixo, portanto, uma mensagem a todos os jornalistas da América Latina, da China e do mundo: este fórum é uma oportunidade singular para definirmos, juntos, os próximos passos rumo a uma comunicação mais acessível, inclusiva e transformadora. Que sejamos capazes de erguer pontes reais entre os povos, reconhecendo nossas diferenças como riquezas e o diálogo como caminho para a paz.
Encerro com um agradecimento especial à China, que, por meio de sua história e cultura, nos ensina a importância de conectar passado e presente, transformando saberes ancestrais em bases sólidas para um futuro próspero e consciente. Que essa sabedoria nos inspire a promover o diálogo, valorizar a educação e fortalecer a comunicação como forças capazes de mudar o mundo.
Muito obrigada.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: