EUA: Presidente do Fed encara pressão inédita às vésperas de discurso anual
Trump amplia ataques e nomeação de aliado ameaça agravar divisões dentro do Fed
247 - O aguardado discurso de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, nesta sexta-feira (23), no tradicional simpósio de Jackson Hole, acontece em um ambiente de turbulência política e institucional.
A análise é do Financial Times, que destaca como Powell enfrenta não apenas a pressão direta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mas também uma crescente dissidência dentro da própria diretoria do banco central.
Trump intensifica ofensiva contra Powell
Há meses, Trump vem atacando Powell de forma recorrente, chamando-o de “mula teimosa” e “cabeça dura” por não reduzir os juros diante da desaceleração econômica e dos impactos das tarifas comerciais. A disputa ganhou novo fôlego com a indicação de Stephen Miran, economista alinhado ao presidente, para ocupar a cadeira vaga deixada por Adriana Kugler no conselho do Fed.
Miran não esconde sua sintonia com a Casa Branca: já defendeu cortes agressivos nas taxas de juros e mudanças na governança do banco central que dariam ao Executivo o poder de demitir dirigentes como Powell. Para analistas, sua entrada pode transformar a dinâmica interna do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC).
“Ele será o agente provocador representando Trump no FOMC. E com orgulho. Não fará rodeios sobre isso”, afirmou Steven Blitz, economista-chefe para os EUA na TS Lombard.
Dissidência dentro do Federal Reserve
A indicação de Miran, ainda pendente de aprovação no Senado, somaria um terceiro voto dissidente dentro da diretoria de sete membros, ao lado de Christopher Waller e Michelle Bowman, que já defenderam cortes na reunião de julho. A última vez que tamanha divisão ocorreu foi em 1988 — cenário que pode fortalecer a narrativa de Trump de que Powell perdeu o controle do colegiado.
O próprio mercado financeiro aguarda sinais claros no discurso em Jackson Hole. “Estamos em um equilíbrio desconfortável, sem saber qual será o próximo passo”, observou Gennadiy Goldberg, estrategista de taxas do TD Securities.
Dilemas econômicos e incertezas de mercado
A situação é agravada por indicadores econômicos contraditórios. Embora a taxa de desemprego esteja em 4,2% — ainda considerada baixa —, a criação de empregos desacelerou, alimentando preocupações sobre a saúde do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, o índice de preços ao produtor subiu, reacendendo o temor de que as tarifas impostas por Trump gerem inflação no consumo.
Torsten Sløk, economista-chefe da Apollo Global Management, resumiu: as tarifas criaram “um impulso estagflacionário” que complicou “dramaticamente” a tarefa do Fed.
Mesmo assim, os investidores apostam majoritariamente em um corte de 0,25 ponto percentual na reunião de setembro, ainda que alguns setores defendam uma redução mais agressiva de 0,5 ponto. Trump, por sua vez, exige que os juros caiam para 1%, alegando que a medida pouparia centenas de bilhões de dólares em pagamentos de dívidas.
Um teste de autoridade para Powell
O discurso de Powell em Wyoming é visto como decisivo para sinalizar até que ponto ele está disposto a ceder diante das pressões políticas e das divisões internas. Para Derek Tang, da consultoria LH Meyer, o desafio será manter a credibilidade da instituição: “Miran está lá para ver até onde consegue empurrar a janela de Overton dentro do Fed”.
Apesar disso, antigos colegas de Miran tentam relativizar seu potencial disruptivo. O economista Ed Glaeser, professor de Harvard, destacou: “Suspeito que ele não seria indicado se não acreditasse em cortes de juros, mas fará o possível para ser um membro decente desse grupo”.
Powell, portanto, entra em Jackson Hole não apenas com a responsabilidade de orientar os mercados, mas também de preservar a autoridade do Fed em meio à ofensiva aberta do presidente dos Estados Unidos.
O que é Jackson Hole e por que importa
O simpósio econômico de Jackson Hole, realizado anualmente no estado de Wyoming e organizado pelo Federal Reserve de Kansas City desde 1978, é um dos fóruns mais influentes do calendário global.
O encontro reúne banqueiros centrais, ministros da economia, gestores de fundos e acadêmicos de renome, servindo como palco para anúncios e sinalizações estratégicas de política monetária.
Foi nesse espaço, por exemplo, que diferentes presidentes do Fed utilizaram discursos para preparar os mercados para mudanças de rumo — razão pela qual cada palavra de Powell nesta edição é aguardada com enorme expectativa por investidores.