Governo planeja renovar concessão da Ferrovia Centro-Atlântica com R$ 28 bilhões em investimentos
Plano prevê requalificar 4.138 km, devolver 3.082 km e destravar obras na Bahia e em Minas; concessão pode ser prorrogada por 30 anos
247 - O governo federal e a VLI caminham para firmar um dos maiores acordos ferroviários do país: a renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que expira em agosto de 2026. A proposta foi enviada ao Tribunal de Contas da União (TCU) e prevê estender o contrato por mais 30 anos e executar um pacote de R$ 28 bilhões em investimentos obrigatórios.
De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, o desenho final é resultado de uma negociação prolongada entre o Ministério dos Transportes e a concessionária. O governo concluiu que renovar agora, impondo novas obrigações, é mais vantajoso do que esperar o fim do contrato e relicitar a malha do zero — decisão que, além de reduzir riscos e eliminar passivos, amarra compromissos de longo prazo e resolve pendências sobre bens não amortizados.
O acordo propõe a requalificação integral de 4.138 km de trilhos sob responsabilidade da FCA e a devolução de outros 3.082 km à União, que poderão ser ofertados a novos operadores. Hoje, a malha da FCA supera 7.000 km e interliga Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Bahia, Sergipe e o Distrito Federal, com conexão a outras concessões do país.
Entre as exigências centrais está a manutenção e requalificação do corredor Bahia–Minas, evitando o isolamento ferroviário do Nordeste. O pacote lista obras de grande porte, como o contorno ferroviário de São Félix (BA), estimado em R$ 1,4 bilhão; a passagem de trilhos em Licínio de Almeida (BA), de R$ 1,6 bilhão; e a implantação de bitola mista entre Tocandira e Brumado (BA), orçada em R$ 6,2 bilhões. Essa configuração permite integrar a FCA à Ferrovia de Integração Oeste–Leste (Fiol), eixo estruturante que cruza a Bahia. Em Minas Gerais, o contorno ferroviário de Belo Horizonte também entrou no escopo, ainda em fase de projeto.
O plano abre gatilhos de investimento adicionais no corredor Bahia–Minas que podem somar R$ 9,2 bilhões ao longo da concessão, condicionados à demanda. A abordagem corrige versões anteriores das tratativas — que privilegiavam locomotivas e vagões, em detrimento dos trilhos — e inverte a lógica, priorizando a via permanente para reduzir a deterioração da malha.
Outro ponto sensível trata do material rodante. Atualmente, a FCA opera com locomotivas e vagões arrendados da própria VLI, o que gerava distorções contábeis criticadas por técnicos do governo e do TCU. Pelo novo arranjo, 225 locomotivas e 2.328 vagões, avaliados em R$ 2,6 bilhões, passarão a integrar de forma definitiva a concessão.
Na comparação financeira, o governo estima que a renovação gera maior retorno do que uma relicitação. Em leilão tradicional, a outorga à União foi projetada em R$ 1,94 bilhão; no modelo de renovação, o pagamento direto cai para R$ 1 bilhão, mas, ao combinar trechos deficitários e viáveis e atrelar investimentos obrigatórios, o valor presente líquido projetado é positivo em R$ 5,3 bilhões.
O rito prevê análise inicial pela secretaria de consenso do TCU; se houver aval técnico, o processo segue ao plenário. O governo também planeja um leilão simplificado após o crivo do TCU, para testar se algum concorrente oferece condições superiores. VLI, Ministério dos Transportes e TCU informaram que não comentam negociações em curso.
A atual concessão da FCA foi assinada em agosto de 1996, com prazo de 30 anos. A proximidade do vencimento pressiona o calendário. Auditoria concluída pelo TCU no fim do ano passado mostrou que, dos mais de 7.000 km, cerca de 3.000 km estão inutilizados e outros 2.700 km têm tráfego baixíssimo — uso regular se concentra em 2.157 km, ou 27% da rede. O diagnóstico reforçou a necessidade de uma solução que foque na via e na produtividade, ao lado de um redesenho que permita devolver trechos ociosos e ofertá-los a novos operadores, inclusive para transporte de passageiros.
O TCU já autorizou prorrogações antecipadas de outras concessões relevantes — como a Malha Paulista (Rumo), estendida até 2058, e as ferrovias da Vale (EFVM e EFC, aprovadas em 2020) —, experiências usadas como referência para calibrar contrapartidas e investimentos cruzados.