Comandantes esperam desgaste das Forças Armadas com julgamento de militares golpistas
Condenados pelo STF, os militares envolvidos na trama golpista ainda serão julgados pelo Superior Tribunal Militar
247 - A condenação inédita de militares pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe levou a cúpula das Forças Armadas a adotar o discurso de “página virada”, embora haja preocupação com os desdobramentos futuros. Segundo revelou o jornal O Globo, mesmo com a tentativa de preservar a imagem institucional, já se projeta desgaste adicional com o início do cumprimento das penas e com a análise do Superior Tribunal Militar (STM) sobre a eventual perda de postos e patentes.
Após o encerramento da fase de recursos, os condenados poderão cumprir pena em salas de Estado-Maior nos quartéis do Exército — ou, no caso do almirante Almir Garnier Santos, em unidade da Marinha. Além disso, caberá ao STM julgar representações sobre a expulsão dos oficiais. Entre os atingidos pela decisão do STF estão três generais da reserva — Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto —, o almirante Garnier, além de Jair Bolsonaro, capitão da reserva, e do tenente-coronel Mauro Cid, este último beneficiado com pena em regime aberto por delação premiada.
Situação de Bolsonaro preocupa mais
O caso que mais causa apreensão é o de Jair Bolsonaro. O comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, segundo interlocutores, já havia manifestado contrariedade à possibilidade de o ex-presidente cumprir pena em unidade militar. A leitura é de que tal medida poderia significar “levar a política para dentro do quartel de forma literal” e ainda provocar mobilizações externas de apoiadores.
O Estatuto dos Militares, de 1980, prevê que condenados cumpram pena apenas em organizações comandadas por superiores hierárquicos. Isso não impede que Bolsonaro seja alocado em quartel do Exército, mas torna a situação mais delicada no caso dos generais de quatro estrelas. Em Brasília, há cerca de 20 alojamentos de Estado-Maior, equipados com cama, armário, mesa, televisão e frigobar, que podem ser destinados a esse fim. Ainda assim, a palavra final será do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, após o trânsito em julgado.
STM decidirá sobre expulsão
Depois do fim da análise no STF, será o Superior Tribunal Militar quem definirá se os condenados manterão ou não suas patentes. O Ministério Público Militar deve apresentar denúncia por “indignidade”, que será avaliada pelo plenário do tribunal, composto por 15 ministros. Essa será a primeira vez que a Corte julgará generais de quatro estrelas, o que aumenta a expectativa em torno do desfecho.
O vice-presidente do STM, Francisco Joseli Parente Camelo, reforçou a legitimidade das decisões: “O ministro Alexandre de Moraes conduziu de forma correta. Às Forças cabe cumprir a sua missão constitucional”, disse. Ele acrescentou: “Em outros momentos da História, tivemos anistia. Agora, o STF fez o que tinha que fazer. É a Corte quem dá a última palavra”.
Impactos e mudanças
Caso o STM decrete a perda de posto e patente, os militares deixam de receber soldo. Até pouco tempo, esse benefício era transferido a familiares em caso de expulsão — a chamada “morte ficta” —, mas decisão recente do Tribunal de Contas da União (TCU) determinou o fim da prática.
O episódio evidencia não apenas a maior firmeza institucional do STF, mas também a necessidade de o STM se posicionar diante de um cenário inédito na história militar brasileira, com implicações diretas sobre a disciplina interna e sobre a relação das Forças Armadas com a democracia.