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Brasil destinou R$ 10 bilhões às big techs em um ano, denunciam entidades em carta a Lula

Organizações alertam para dependência digital do governo ao favorecer multinacionais em vez de investir em infraestrutura própria

Brasil destinou R$ 10 bilhões às big techs em um ano, denunciam entidades em carta a Lula

247 - O Estado brasileiro destinou mais de R$ 10 bilhões a contratos com big techs nos últimos doze meses, segundo denúncia feita por diversas entidades em uma carta conjunta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Recursos públicos que poderiam estar financiando centros de dados públicos, formação de quadros técnicos, softwares livres e plataformas colaborativas”, alerta o documento, de acordo com a coluna do jornalista Jamil Chade, do UOL.

A chamada “Carta pela Soberania Digital” foi elaborada por uma ampla articulação que reúne movimentos sociais, universidades, coletivos tecnológicos e sindicatos de todas as regiões do país. O texto foi apresentado após o Encontro Nacional “Soberania Já!”, realizado nos dias 8 e 9 de julho em Brasília. No documento, os signatários pedem uma ação urgente para frear o avanço das multinacionais de tecnologia sobre os sistemas públicos brasileiros.

Na avaliação das entidades, a soberania brasileira está ameaçada por um modelo de submissão tecnológica, agravado pelas regras que proíbem universidades e instituições públicas de adquirirem infraestrutura própria, o que obriga o uso de serviços estrangeiros de computação em nuvem. O documento também critica a atuação do SERPRO, da DATAPREV e da RNP, que, segundo os signatários, operam como “barriga de aluguel das big techs”.

“É uma soberania de mentira, pois entregam de mão beijada nossos dados estratégicos ao Cloud Act dos Estados Unidos”, diz o texto, em referência à legislação que permite ao governo norte-americano acessar dados armazenados por empresas dos EUA em qualquer parte do mundo.

As organizações acusam essas corporações de venderem “soberania enlatada” sob o rótulo de inovação e modernidade. “O que antes se vendia como inovação e empreendedorismo, hoje se revela como projeto de dominação, manipulação e concentração de capital e de poder”, diz a carta. 

Os signatários afirmam que, apesar dos esforços do governo federal, há três grandes obstáculos para a construção da soberania digital no país: a fragmentação do tema entre ministérios e no Congresso, sem uma estratégia unificada; a falta de diálogo efetivo com a sociedade civil organizada, que já acumula experiência e propostas; a atuação das big techs, que “se dizem comprometidas com a soberania, mas na prática sabotam qualquer avanço real”.

Como alternativa, o movimento propõe a criação de uma Força Tarefa Colaborativa com participação do governo, academia e sociedade civil, com o objetivo de elaborar um Plano Nacional para Soberania Digital com ações de curto, médio e longo prazo. “Queremos construir juntas e juntos. Mas para isso, precisamos falar a verdade: a soberania digital do Brasil está sendo desmontada, e está sendo vendida como inovação.”

A carta também contextualiza o alerta com a recente ofensiva dos Estados Unidos contra o Brasil, que teria evidenciado, segundo os autores, “as vulnerabilidades do país em relação às grandes potências e suas empresas tecnológicas”.

Diante desse cenário, as entidades solicitam uma audiência com o presidente Lula e pedem que o governo olhe com mais atenção para a sociedade civil. “É preciso olhar para os coletivos, territórios, comunidades e universidades para perceber que há exemplos de uso do saber inclusivo, democrático, que pode ser o ponto de partida para construir um futuro soberano".

Entre as organizações que assinam o manifesto estão o Coletivo Digital, Instituto Mutirão, Movimento Software Livre, Casa Preta Amazônica, Campanha Internet Legal, além de universidades, hackers e especialistas em tecnologia. A mobilização resultou na criação da Rede Nacional pela Soberania Digital, que pretende ampliar a pressão institucional e social sobre o tema.

Leia a íntegra da carta:

"O Brasil está sob ataque. E não se trata apenas de ataques às instituições. Atacam a infância e a saúde mental coletiva. Atacam a cultura e a ciência. Atacam camponeses, as trabalhadoras e trabalhadores do transporte, do cuidado e da produção cultural.

Estamos falando do domínio brutal e predatório das Big Techs — um conglomerado global que avança sobre os territórios, os dados, os afetos e a democracia. Uma nova indústria que opera sem transparência, sem regulação e sem qualquer compromisso com o bem comum ou com o povo brasileiro.

O que antes se vendia como inovação e empreendedorismo, hoje se revela como projeto de dominação, manipulação e concentração de capital e de poder.

Foi em resposta a esse cenário que nos dias 8 e 9 de julho de 2025 realizamos em Brasília o Encontro Nacional Soberania Já!. Foi uma articulação inédita, que reuniu movimentos sociais, coletivos digitais, lideranças comunitárias, sindicais, parlamentares, pesquisadoras, artistas, universidades e representantes de todas as regiões do país. Um encontro que simbolizou a confluência de diversas lutas e saberes em torno de uma pauta comum, no qual consolidamos os primeiros passos da Rede Nacional pela Soberania Digital.

Durante esse processo de escuta e articulação, ficou evidente que existe sim, esforço do governo federal em buscar a soberania digital do Brasil, mas esse esforço está seriamente prejudicado por três problemas principais:

A fragmentação do tema na Esplanada e no Congresso Nacional, que impede uma estratégia unificada e efetiva;

A falta de uma melhor articulação desse tema com a sociedade civil e movimentos sociais, que historicamente acumularam conhecimento e experiências neste campo;

As mentiras que estão sendo contadas pelas BigTechs, que se dizem comprometidas com a soberania, mas na prática sabotam qualquer avanço real.

O caso mais grave é o sequestro das Empresas Públicas de Tecnologia, como SERPRO e DATAPREV e organizações governamentais, como a RNP. Esses órgãos, que deveriam ser motores da autonomia tecnológica brasileira, hoje operam como barriga de aluguel das Big Techs, instaladas em território nacional. Pior ainda, ao abrir mão de sua soberania, o Governo Federal lança tendências para governos estaduais e municipais.

É uma soberania de mentira, pois entregam de mão beijada nossos dados estratégicos ao Cloud Act dos Estados Unidos — uma legislação que permite ao governo norte-americano acesso irrestrito a qualquer dado armazenado por empresas estadunidenses, em qualquer lugar do mundo, evidenciando vulnerabilidades às quais nossas infraestruturas públicas estão expostas, podendo ser gravemente prejudicadas ao clicar de um botão, colocando em risco a segurança nacional.

Essa falsa soberania está sendo vendida pelas big techs, que se aproveitam de normas estabelecidas nos governos golpistas, que proíbem universidades e órgãos públicos de adquirir infraestrutura própria, forçando-os a contratar serviços estrangeiros em nuvem. Isso impede o fortalecimento da infraestrutura nacional, acelera a dependência digital e cria vulnerabilidades geopolíticas graves.

Não por acaso, nos últimos 12 meses, o Estado Brasileiro gastou mais de 10 bilhões de reais com as Big Techs — em contratos de software, infraestrutura e serviços. Recursos públicos que poderiam estar financiando centros de dados públicos, formação de quadros técnicos, softwares livres e plataformas colaborativas.

É diante deste cenário que solicitamos uma audiência com Vossa Excelência, para formação de uma Força Tarefa de Políticas Digitais Colaborativas com a missão de formular respostas de curto, médio e longo prazo, conformando um Plano Nacional para Soberania Digital para potencializar e compartilhar as evidências, propostas e soluções construídas coletivamente por essa rede viva, criativa e comprometida com o futuro do Brasil.

Queremos construir juntas e juntos. Mas para isso, precisamos falar a verdade: a soberania digital do Brasil está sendo desmontada, e está sendo vendida como inovação. Nós não aceitamos isso. E estamos prontos para ajudar a construir outro caminho. É preciso olhar para a sociedade civil organizada, coletivos, territórios, comunidades e universidades para perceber que há exemplos de uso do saber inclusivo, democrático que pode ser o ponto de partida para construir um futuro soberano.”

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