80 anos do fim da segunda guerra mundial
O passado não está enterrado – ele apenas se disfarça e espera
80 anos depois, o mundo que emergiu das cinzas da Segunda Guerra vê seus próprios vencedores em crise: a Europa combalida, os EUA desafiados pela China e um fascismo reciclado em ascensão. A lição mais urgente? O passado não está enterrado – ele apenas se disfarça e espera
A 2 de setembro de 1945 a II Guerra Mundial terminou com a rendição japonesa. No entanto, em abril ela já havia acabado na Europa, o principal teatro do conflito.[i]
Apesar de o Japão já estar em pleno combate na China, a invasão da Polônia em primeiro de setembro de 1939 pelos alemães marcou o início oficial da II Guerra Mundial. França e Inglaterra fizeram sua declaração de guerra no dia 17 contra a Alemanha, mas não contra a União Soviética (que invadira o leste polonês). Essa decisão foi vital para o futuro desenho geopolítico do conflito, já que depois a Alemanha atacaria a União Soviética.
Ao fim do conflito, o Velho Mundo estava arrasado e tinha perdido para os EUA sua preeminência mundial. A rendição incondicional alemã foi assinada em 7 de maio na cidade francesa de Reims diante do general Dwight Eisenhower. Isso levou os soviéticos, que aguentaram o maior peso da guerra, a exigir uma nova cerimônia de assinatura.
A comemoração dos 80 anos da rendição alemã e japonesa se dá numa situação inédita para a memória dos vencedores: França, Inglaterra e Alemanha estão combalidas pela Guerra da Ucrânia e abandonadas pela diplomacia de xerife de Donald Trump; a União Soviética não existe mais; e a liderança dos EUA está ameaçada pela ascensão chinesa. Por fim, um fascismo reciclado retomou sua força.
Embora haja uma infindável oferta de obras sobre a II Guerra Mundial, não é fácil encontrar uma narrativa tão sintética e abrangente como a do historiador alemão Ralf Georg Reuth[ii] traduzida no Brasil. Também não é trivial que seja o livro de um alemão da corrente dominante: liberal europeia simpática aos EUA. Seu livro, portanto, merece ser lido tendo as reservas diante de seu parti pris ideológico não declarado.
Desconfianças de Stalin
Um dos tópicos da Guerra mais explorado na historiografia é o do despreparo do líder soviético. E aqui o autor já nos surpreende. Para ele, Stalin estava consciente de que seu oponente nacional-socialista iria atacar a União Soviética depois de ter garantida sua liberdade de ação no Ocidente (p. 79).
Stalin precisava de tempo e temia um acordo da aristocracia inglesa com os nazistas, por isso ficou furibundo com a rápida capitulação da França. Para o autor, ele era racional ao acreditar que Hitler não arriscaria uma guerra em duas frentes antes de terminar o confronto com a Grã-Bretanha (pp. 116 e 151).[iii]
Desconfianças de Hitler
Hitler, por seu lado, acreditava que o exército Vermelho não tinha chances contra a Wermacht devido ao seu histórico. Em Tannenberg, na Prússia Oriental, entre 26 e 30 de agosto de 1914, 150 mil soldados alemães derrotaram 230 mil russos. Depois da Revolução de 1917 um novo exército russo foi constituído e apesar da vitória na Guerra Civil de 1918-1921, ele foi derrotado na Polônia em 1919-20. Na recente Guerra de Inverno, o Exército Vermelho voltara a fracassar contra os soldados de Mannerheim na Finlândia em 1939-40.
Hitler equivocou-se porque o Exército Vermelho, com seus 2,78 milhões de soldados, possuía onze mil tanques ou três vezes mais do que a Alemanha; 43 mil peças de artilharia contra 13 mil alemãs; e 10 mil aeronaves contra 5 mil alemãs. Além da superioridade material, para G. Reuth, Stalin não estava despreparado.
Em 5 de maio de 1942 ele discursou aos formandos da Academia Militar e deu a senha para a preparação de uma guerra contra a Alemanha, o que foi prontamente iniciado pelo Ministro da Guerra Timochenko e o Chefe do Estado Maior Júkov. Ou seja, apesar dos expurgos nas Forças Armadas de 1938, o país estava modernizando seu exército. Evidentemente as vitórias iniciais alemãs mostraram a supremacia operacional do Exército alemão, mas ela cederia à superioridade material, logística e econômica soviéticas e à resistência popular contra a invasão do país.
Ainda que os alemães considerassem o regime soviético opressor de nacionalidades que poderiam se revoltar com a chegada do Exército invasor, a própria política nazista de extermínio ou escravização impedia a adesão popular à Alemanha.
O autor registra o que memorialistas alemães da guerra já haviam afirmado: a Wermacht era secundada pelas bestas da SS que exterminavam tanta gente que impossibilitava aos alemães obterem aliados que naturalmente estariam descontentes com o regime de Stalin. Mas se isso é verdadeiro, é preciso ser relativizado, afinal Hitler foi capaz de se aliar a Horthy na Hungria,
Franco na Espanha, aos fascistas croatas e romenos e na Ucrânia à gangue de Stepan Bandera.
No Leste
A guerra de extermínio contra a União Soviética é a parte do livro mais impactante. Hitler mobilizou a 22 de junho de 1941 cerca de 690 mil soldados aliados (noruegueses, dinamarqueses, romenos, finlandeses, espanhóis, italianos, eslovacos dentre outros), 150 divisões alemãs com 3 milhões de homens, 3.500 tanques e armas de artilharia e 2 mil aviões. Franco enviou a Divisão Azul; e o governo colaboracionista francês de Vichy enviou a Légion des Volontaires Français contre le Bolchevisme.
Importante ressaltar que o autor procurou em vários momentos do seu livro salvar a reputação dos alemães: “Certamente os soldados e os generais alemães não se ocupavam com ideologia nem com as últimas verdades de Hitler”. Ele chega a escrever que Hitler podia justificar a legalidade de sua “guerra de extermínio ideológico-racista” porque Stalin não havia ratificado a Convenção de Genebra (p. 155). Obviamente, o autor não aprova o que foi feito pelos alemães na União Soviética, mas distribui parte da culpa ao regime socialista.
Os Generais alemães esperavam uma Guerra Relâmpago de duas semanas. Halder e Von Brauchitsch advogavam a concentração de forças sobre Moscou, mas Hitler determinou o ataque em três direções: além de Moscou, conquistar-se-ia Leningrado ao norte e Murmansk para interromper a ajuda exterior à União Soviética; ao sul o Exército iria à Bacia do Don e à Criméia para controlar indústrias e posteriormente chegar aos poços de petróleo do Cáucaso.
O insucesso do Grupo de Exército do Centro (Heeresgruppe Mitte) levantou muitas discussões historiográficas. Em primeiro lugar, a operação não foi um fracasso. A Wermacht cercou Leningrado por cerca de 900 dias e Goebbels anunciava o “mais terrível drama urbano que a história jamais viu” (p.175). Dos 5,75 milhões de prisioneiros soviéticos mais de 3,3 milhões morreram.
Os alemães também avistaram Moscou de muito perto e no sul chegaram a Kiev a 29 de setembro e destruíram cinco exércitos soviéticos com 1 milhão de combatentes. No início de outubro 78 divisões lideradas por Von Bock destruíram 70 divisões soviéticas: “Moscou, que estava a apenas 150 quilômetros de distância dos tanques alemães, foi tomada pelo pânico depois de Stalin ter evacuado o partido e o Estado-Maior para Kúybychev, junto ao Rio Volga, e o Comintern para Ufa, ao sul dos Montes Urais” (p.177). O autor podia ter acrescentado naquele parágrafo que Stalin permaneceu em Moscou, o que ajudou a manter a resistência da população.
Guerra Mundial
Enquanto transcorria a Batalha de Moscou, a 18 de novembro os britânicos iniciaram o ataque no norte da África. A 6 de dezembro pode-se dizer que a catástrofe final havia sido impedida na Rússia. Júkov iniciou a contraofensiva. Reuth desmonta a lenda de que a culpa foi do “general inverno, com 42 graus negativos” (179). Essa propaganda nazista foi repetida por muita gente. É muito mais simples. Os alemães haviam subestimado a força e o poder de combate do Exército Vermelho.
Embora os soviéticos tivessem usado pouco o tanque KV1 de blindagem muito poderosa e pesada, ele foi útil na batalha de Moscou. Já o T34 demonstrou ser superior aos carros de combate alemães. Mas obviamente não é isso que foi determinante ou Guderian não teria tido sucesso na França contra os excelentes carros blindados ocidentais.
Os soviéticos atuavam em linhas interiores enquanto os alemães precisavam esticar as linhas de reposição num território muito menos densamente povoado que a Europa Ocidental e com uma rede de transportes ainda precária. Nesse ponto Hitler vivenciou o mesmo drama de Napoleão registrado por Carl Clausewitz. Mas cessa aí a analogia.
No Japão Fuminaro Konoe assumiu o governo em julho de 1940 e assinou o pacto com Mussolini e Hitler em 27 de setembro. Para dispersar os esforços aliados seria vital atrair o Japão para uma aliança a fim de obrigar os EUA, caso entrassem em guerra, a combater em dois oceanos. Contudo, no plano da guerra global, a Alemanha não podia contar com um ataque japonês no leste da Rússia porque o Japão havia recebido ameaças estadunidenses um dia antes do início da Operação Barbarossa para que se retirasse da China.
Ao Japão, segundo Reuth, a guerra de Hitler contra os soviéticos era funcional para sua luta na Ásia, mas os japoneses não podiam dispersar suas forças. Já sob o governo Hideki Tojo o Japão declarou guerra aos EUA em 1 de dezembro de 1941. A falta de disposição para uma invasão japonesa do leste soviético, informada pelo agente alemão comunista Richard Sorge, foi vital para o deslocamento de tropas que salvaram Moscou. Aliás, até quase o fim do conflito União Soviética e Japão não estiveram tecnicamente em guerra.
Racismo
O objetivo central de Hitler era a Rússia por razões ideológico raciais, de acordo com o autor. Por exemplo, o controle da Noruega, país considerado ariano pelos nazis, servia para garantir o funcionamento da economia de uma guerra cujo objetivo era o Leste, devido ao ímpeto ideológico racista (p. 98).
O autor se permite criticar os líderes ocidentais somente na questão da sua inação diante do antissemitismo. O racismo hitlerista não incomodava os líderes ocidentais. Churchill declarou guerra não por causa da política racial de Hitler, que ele chegou a admirar, mas porque o domínio alemão na Europa acabava com o equilíbrio de poder, conceito básico da política externa britânica (p. 115).
O paradoxo é que a política de extermínio decidida na Conferência de Wansee não foi aceita incondicionalmente pelos próprios aliados de Hitler. Segundo Reuth: “(…) na Riviera ocupada pelos italianos (…) as autoridades de ocupação de Mussolini impediram a prisão de judeus pela polícia de Laval. Na Grécia e na Iugoslávia, as autoridades de ocupação italianas agiram do mesmo modo. Pois em Roma – onde foram promulgadas algumas leis voltadas aos judeus devido à pressão alemã – as deportações não eram bem recebidas. O Duce não partilhava da política racial de Hitler. O mesmo valia para o regime húngaro de Horthy, que, embora tenha promulgado a princípio algumas leis antissemitas, depois se recusou a entregar os 700 mil judeus húngaros á solução final. Apenas os ‘judeus estranhos ao país’, aqueles que tinham chefado à Hungria devido à entrada alemã na Galícia, foram entregues à força-tarefa alemã que operava no espaço posterior do grupo de exércitos do sul. O Rei Boris III da Bulgária comportou-se de maneira muito parecida. Seu país entregou 11 mil judeus das regiões recém incorporadas da Macedônia e da Trácia, mas não aqueles da ‘base’ do país” (p.213). O antissemitismo convivia com os demais preconceitos contra outros grupos. O Zyklon-B foi primeiramente testado em prisioneiros soviéticos pelo comandante de Auschwitz, Rudolf Höss. Cabe lembrar que dos 5,75 milhões de prisioneiros soviéticos mais de 3,3 milhões morreram”.
As alianças
Desde 25 de agosto de 1940 Berlim já era bombardeada pela Royal Air Force. O confronto com a Inglaterra levaria o conflito necessariamente ao Mediterrâneo e ao norte da África e possivelmente à Índia. A batalha de Creta em 20 de maio de 1941 visou dominar os aeroportos britânicos que poderiam servir de base para o ataque aos campos petrolíferos romenos, onde Hitler tinha aliados. Em maio e junho Rommel já havia consolidado suas vitórias no norte africano.
A racionalidade de meios de Hitler o fez fomentar revoltas dos povos colonizados contra a talassocracia britânica, explorando os motivos de sobra que os britânicos forneciam gratuitamente como a grande fome do verão de 1943 na Índia. Churchil proibiu o envio de víveres pelos EUA e Canadá e 3 milhões de pessoas morreram (p.197). Muçulmanos bósnios, indianos, árabes e persas aliaram-se a Hitler para combater o Império Britânico, mesmo que ele os considerasse racialmente inferiores. Afinal, os britânicos tinham a mesma opinião.
Hitler também buscou envolver a França de Vichy e a Espanha de Franco no esforço de guerra, mas só o conseguiu parcialmente. A Itália atuou com os alemães no norte africano, mas a um alto custo para si mesma e com desavenças políticas com Rommel.
A “raposa do deserto” voltou à ofensiva em janeiro de 1942. A Marinha italiana teve naquele ano alguns sucessos espetaculares, avariando seriamente encouraçados britânicos. A descrição do autor nos permite observar que o ataque a Moscou se articulou a um avanço militar fascista generalizado. Os britânicos capitularam em Singapura, os holandeses em Java, McArthur teve que abandonar as Filipinas e os japoneses atacaram Port Darwin na Austrália.
Só Moscou resistiu. No comando alemão houve muito debate sobre onde concentrar as forças a partir de então: sudeste europeu ou leste. Mas Hitler não queria desmantelar o Império Britânico e sim acabar com o bolchevismo.
O tournant
A reeleição de Roosevelt em 5 de novembro de 1940 foi vital para a entrada dos EUA na guerra.
Todavia, o ataque a Pearl Harbor a 7 de dezembro de 1941 foi um pretexto muito conveniente. Como Perry Anderson destacou: “Tradicionalmente as fortalezas do nacionalismo isolacionista se localizavam nas pequenas empresas e na população de agricultores do centro-oeste; e os bastiões de um nacionalismo mais intervencionista – ou, na linguagem local, um ‘internacionalismo’ –, nas elites bancárias e corporativas da Costa Leste. A guerra uniu esses dois lados. O primeiro sempre havia olhado de forma mais positiva para o Pacífico como uma extensão natural da fronteira e procurou vingança irrestrita pelo ataque ao Havaí. O último, orientado para os mercados e investimentos por todo o Atlântico, ameaçados pela Nova Ordem de Hitler, possuía horizontes mais amplos”[iv].
Seja um tanto esquemática ou não a dicotomia acima apontada, o fato é que o ataque japonês trazia a guerra para perto de um território que os estadunidenses julgavam (em grande medida corretamente) protegido por dois oceanos e imune a investidas estrangeiras.
A Carta do Atlântico de 14 de agosto de 1941 já desenhava uma ordem mundial liberal pós-guerra, o que significava que Churchill fora obrigado a aceitar na prática o fim dos privilégios comerciais britânicos no seu império. Mas evidenciava também que dificilmente a Alemanha suportaria uma guerra prolongada com inimigos dotados de recursos logísticos praticamente inesgotáveis.
A reviravolta na guerra é assinalada pela batalha marítima e aérea de junho de 1942 nas ilhas Midway. Mas fundamentalmente o maior impacto foi o fracasso da campanha iniciada a 28 de junho de 1942 na União Soviética. Note-se que os alemães já haviam perdido um terço de seus homens na campanha do ano anterior. Em janeiro de 1943 a sorte do Reich estava confinada a um bolsão perto de Stalingrado.
O alto comando soviético retirou suas tropas para o Volga e o Cáucaso e obrigou os alemães a estenderem muito suas linhas. O Füher demitiu Halder e fez de Kurt Zeitzler o seu planejador chefe por causa da iminente derrota no Leste. Halder havia gritado numa reunião para que Hitler ordenasse o recuo. Mas há controvérsias sobre o papel de Hitler em Stalingrado. Manobras habilidosas de Von Manstein por um lado e a ordem de Hitler para que Von Paulus com o VI Exército resistisse até o fim talvez tenham permitido que a Alemanha perdesse 250 mil soldados num bolsão cercado pelo Exército Vermelho, mas salvasse mais de um milhão de combatentes do Grupo A do Exército alemão do Cáucaso.
Essas questões militares revelam que Hitler e seu entorno não eram irracionais quanto aos meios e as técnicas, mas sim quanto aos objetivos finais, o que é a mais pura materialização do nazismo: a mobilização racional da irracionalidade numa definição sintética que já discutimos anteriormente[v]. O fato é que a guerra já estava perdida:
“Stalingrado é tido como o ponto de virada da Segunda Guerra Mundial. Mas a verdadeira inflexão tinha se dado um ano antes, com o fracasso do Exército Leste alemão diante de Moscou” (p.227).
O avanço soviético ao oeste foi secundado pela abertura da frente ocidental no Dia D (6/6/1944). Os avanços de ingleses e estadunidenses enfrentaram forte resistência de divisões alemãs trazidas do Leste, além de desentendimentos entre Montgomery e Patton. No Pacífico o recuo do Japão levou à queda do governo Tojo e à ascensão de Kuniaki Koiso.
Em agosto de 1945 justamente os EUA provocaram o maior crime de guerra da história: o lançamento de duas bombas atômicas sobre o Japão. Embora essa não seja uma conclusão do autor, mas minha, cabe dizer que foi um ato desnecessário e irracional. Via-se que se a ideologia fascista era combatida, sua forma mentis era compartilhada.
Desenhando o pós-guerra ainda na guerra
Desde o fracasso alemão na Batalha de Moscou, portanto antes mesmo de Stalingrado, já se pensava no que fazer com a Alemanha depois de sua provável derrota final. Em outubro de 1944 na Conferência de Dumbarton Oaks representantes da China, EUA, União Soviética e Reino Unido desenharam a estrutura da futura ONU com a Carta das Nações Unidas, Assembleia Geral, Conselho de Segurança, secretaria geral e tribunal internacional (p.317).
A pedido de Churchill a França seria considerada como potência vitoriosa. Já a sugestão de Roosevelt para que o Brasil integrasse o conselho foi recusada pelos soviéticos. Em 25 de abril de 1945 soldados soviéticos e dos EUA finalmente se deram as mãos às margens do Elba.
Os pós nazistas (ou nazistas recém convertidos ao liberalismo) formaram um último governo Dönitz depois da morte de Hitler. Como o Führer, eles acreditavam ser possível um rompimento entre EUA – Grã Bretanha e União Soviética. Estavam errados no timing, já que não houve ruptura militar até o fim da II Guerra. Mas estavam certos quanto ao futuro próximo, já que a ruptura política (embora não diplomática) se consolidou.
Havia muitos detalhes a resolver, desde a Polônia até os vários países da Europa Central. Mas o centro da questão seria uma Alemanha dividida numa Europa dividida, como afirmou outro historiador liberal britânico T.G. Ash. Stalin também já se preparava para definir o futuro alemão pós-guerra e em 23 de fevereiro de 1943 declarou: “Os Hitlers vão e vêm, mas o povo alemão, o Estado alemão permanece”. (p.235). Ele permitiu ao KPD nomear Walter Ulbricht e Wilhelm Pieck para chefiar um comitê alemão no exílio anti nazista. Os futuros líderes da DDR seriam eles. Reuth, na esteira dos policymakers dos EUA, achou que Roosevelt não “enxergou a natureza da tirania de Stalin e a dinâmica revolucionária do comunismo” (p. 256). Para ele Stalin era “astuto e inescrupuloso”. Mas a doutrina Truman mudaria isso.
A guerra fria
Hitler procurou muitas vezes um entendimento com o Reino Unido e rejeitou a possibilidade de uma paz em separado com os soviéticos. Rudolf Hess, por exemplo, buscou apoio na Casa Real Britânica, simpática ao nazismo, para uma aliança com os ingleses, mas uma parte dos documentos britânicos continua inacessível (p. 147).
Em 2 de maio o Conde Lutz Schwerin Krosig, Ministro das Finanças daquele último governo do Reich que citei acima, discursou na rádio em defesa do sacrifício alemão contra a barbárie bolchevista. Ele resgatou uma expressão de Goebbels sobre a “cortina de ferro” soviética que estava avançando. Aquele governo não durou pois em 7 de maio Jodl e Von Friedeburg assinaram a rendição em Reims. Curiosamente quem defendeu a unidade alemã foi Stalin.
80 anos depois
Talvez ninguém melhor que os vencedores do nazi fascismo tenha compreendido o fenômeno. O filme O fascismo de todos os dias de Mikhail Romm, lançado em 1965, é o maior monumento do cinema documental sobre o fascismo cotidiano.
Usando rolos de filmes apreendidos pelo Exército Vermelho, a montagem usa a ironia para entender a mobilização de técnicas racionais em favor da irracionalidade dos objetivos fascistas. O discurso irônico contrasta com as cenas trágicas dos crimes contra a humanidade cometidos pelos alemães. Apesar de sua derrota militar, o fascismo continuou ativo politicamente como Mikhail Romm já denunciava apenas 20 anos depois da guerra. Nesses 80 anos de comemoração, o apelo do cineasta soviético é ainda mais urgente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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