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      Aposta bilionária do Vale do Silício em guerra futura dos EUA impulsiona corrida armamentista privada

      Startups investem bilhões em drones e navios autônomos antes mesmo de garantir contratos do Pentágono, sob impulso do segundo mandato de Trump

      Drone da Neros em ação (Foto: Neros/Divulgação)
      Luis Mauro Filho avatar
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      247 - O Vale do Silício está apostando alto na nova corrida armamentista dos Estados Unidos. Empresas emergentes como a Neros Inc., especializada em drones de ataque, vêm acelerando suas capacidades industriais mesmo sem garantias de vendas futuras. A companhia, que já entrega centenas de drones mensalmente, planeja produzir 10 mil por mês em sua nova fábrica no sul da Califórnia até o fim do ano, embora tenha, até agora, pedidos para apenas 36 mil unidades destinadas à Ucrânia.

      “Se esperarmos um comprador bater na porta pedindo uma certa quantidade de drones com uma determinada frequência de entrega, já será tarde demais”, afirmou o CEO da empresa, Soren Monroe-Anderson. “A cadeia de suprimentos é a parte mais difícil. Estamos trabalhando agora para poder fabricar mais tarde.”

      A estratégia da Neros reflete um movimento mais amplo entre startups de defesa, impulsionado pela reindustrialização promovida pelo segundo mandato de Donald Trump. Enquanto a administração republicana pressiona por aumento dos gastos militares, dezenas de empresas de tecnologia estão investindo pesado na construção de estaleiros, fábricas e ferramentas de produção. Um levantamento preliminar mostra que somente algumas das startups mais conhecidas do setor planejam investir mais de US$ 4 bilhões nos próximos anos.

      A corrida industrial do novo complexo militar-tech

      Entre os protagonistas dessa nova era, a Anduril Industries Inc. e a Saronic Technologies lideram os aportes. A primeira destina US$ 1 bilhão para erguer um megacomplexo de drones, jatos e mísseis operados por inteligência artificial. Já a segunda, especializada em navios autônomos, está aplicando US$ 2,7 bilhões em infraestrutura fabril.

      Empresas como a Hadrian (automação fabril), Shield AI (drones e defesa), Astranis Space Technologies (satélites) e Divergent Technologies (peças industriais) engrossam a fila dos novos players da indústria bélica. A Varda Space Industries, por exemplo, recém levantou US$ 187 milhões para abrir um laboratório na Califórnia voltado à produção farmacêutica e missões espaciais, com apoio de fundos como o Founders Fund, de Peter Thiel.

      A tendência é impulsionada ainda por projetos ambiciosos como o California Forever, comunidade futurista idealizada por bilionários, que inclui um parque industrial de defesa com estaleiro próprio nos arredores de São Francisco. Outro empreendimento, o Frontier Valley, mira 5 milhões de pés quadrados de área para fabricação no Vale.

      “Esta nova era da defesa é sobre manufatura acelerada”, resumiu Brandon Reeves, sócio da Lux Capital, investidora da Anduril, Hadrian e Varda. “Todos estão tentando alcançar escala.”

      A lacuna industrial frente à China

      O crescimento acelerado das startups visa preencher uma fragilidade estratégica: a lentidão dos EUA na produção de armamentos, especialmente em comparação com a China. O temor é que, em um conflito moderno, a capacidade de fabricar rapidamente drones, navios e armamentos determine a vitória. Figuras como Joe Lonsdale e Matt Cronin, ambos ligados ao ecossistema de capital de risco, têm chamado o problema de ameaça “existencial” à segurança dos EUA.

      Mas a corrida por infraestrutura é arriscada. Até agora, os principais investidores de venture capital colocaram mais de US$ 70 bilhões em cerca de 100 startups de defesa — que, no entanto, garantiram apenas US$ 29 bilhões em contratos com o governo, segundo levantamento de julho do Silicon Valley Defense Group.

      “É o dilema do ovo e da galinha”, definiu Paul Kwan, diretor da General Catalyst, investidora da Anduril e da Saronic. “O capital privado está se antecipando. Esse é, de fato, o risco que estamos assumindo.”

      Gigantes tradicionais vs. inovação veloz

      Apesar da crescente presença das startups, elas ainda representam menos de 1% do orçamento total do Departamento de Defesa. O grosso dos recursos vai para os chamados “Big Five” — Lockheed Martin, RTX (antiga Raytheon), Boeing, Northrop Grumman e General Dynamics — que acumulam décadas de contratos e influência em Washington, mas também enfrentam críticas pela lentidão e excesso de burocracia.

      “O mercado está sinalizando para essas empresas crescerem, e os investidores estão apoiando. Mas o Departamento de Defesa ainda não criou a estrutura contratual e a flexibilidade orçamentária necessárias para este momento”, afirma o relatório do Silicon Valley Defense Group. O risco, alerta o texto, é o colapso de um ecossistema acelerado pelo capital privado, mas travado por regras públicas antiquadas.

      Megafábricas e riscos no escuro

      A Epirus Inc., que desenvolve armas eletrônicas para neutralizar drones, planeja investir US$ 50 milhões em uma nova unidade em Oklahoma. “Sabemos que isso será necessário, mas estou assustado. Cadê o pedido oficial?”, disse o CEO Andy Lowery. “Para eu colocar uma pá no chão, quero o pedido em mãos.”

      A Anduril, por sua vez, já começou a construir a megafábrica Arsenal-1, em Ohio, com capacidade para empregar 4.500 pessoas. A Saronic está erguendo o estaleiro Port Alpha e modernizando outro, com planos de dobrar o quadro de funcionários ainda este ano.

      Mesmo com esses investimentos, a Saronic, por exemplo, acumula apenas US$ 33 milhões em contratos com o governo federal. Ainda assim, o CEO Dino Mavrookas afirma que sua meta é “retomar a construção naval em escala não vista desde a Segunda Guerra Mundial”.

      Expectativas contra incertezas

      Com os EUA produzindo menos de 1% dos novos navios do mundo — frente a 50% da China —, a Casa Branca de Trump emitiu uma ordem executiva para impulsionar essa indústria. Mas mesmo que os pedidos cheguem, o desempenho das tecnologias ainda é incerto.

      “Essas empresas são inexperientes. A grande dúvida é se conseguirão escalar a produção dos novos sistemas de armas”, disse Becca Wasser, do Center for a New America Security. “Elas dizem que conseguem, mas produção em massa é extremamente difícil.”

      A Neros, por exemplo, tem dificuldades em garantir o fornecimento nacional de motores para seus drones. Enquanto a meta é de 1 milhão por ano, hoje a startup consegue apenas 3 mil por mês — o suficiente para cumprir os pedidos já firmados, mas muito abaixo do necessário para escalar.

      Apesar disso, o otimismo reina entre os empreendedores do Vale. Jared Friedman, diretor da aceleradora Y Combinator, acredita que a junção entre patriotismo e oportunidade está moldando uma nova geração de startups industriais. “O que vai ser o próximo grande negócio? Aquilo que os jovens inteligentes querem construir”, declarou. “Estou bastante otimista de que os investidores estão prevendo o futuro corretamente.”

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