Títulos da dívida argentina despencam com incerteza dos EUA
Oscilações refletem dúvidas sobre apoio financeiro de Washington e fragilidade política de Javier Milei às vésperas das eleições
247 - Os mercados argentinos atravessam dias de forte instabilidade, com títulos soberanos em dólar registrando oscilações intensas a cada novo sinal político ou econômico. Segundo a Bloomberg, investidores locais têm sido apontados como protagonistas nos movimentos mais recentes, enquanto estrangeiros se mostram mais cautelosos diante da volatilidade.
Na última semana, os papéis tiveram a maior alta em três anos, mas logo perderam quase todo o avanço antes de voltarem a subir. A causa principal foi sempre a mesma: a expectativa em torno de um eventual apoio dos Estados Unidos ao governo de Javier Milei.
Montanha-russa após falas de Bessent
A instabilidade ficou evidente na quinta-feira (2), quando os títulos dispararam após o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, reafirmar o compromisso de ajudar a Argentina. No entanto, os ganhos evaporaram quando ele esclareceu que a assistência não incluiria novos recursos diretos. Horas depois, os papéis voltaram a se valorizar diante da notícia de que o ministro da Economia, Luis Caputo, e o presidente do Banco Central, Santiago Bausili, viajariam a Washington para discutir uma linha de swap de US$ 20 bilhões.
Peso sob pressão
A pressão também recai sobre a moeda local. O peso argentino se aproximou do limite de sua banda de negociação e perdeu mais de 7% em apenas cinco sessões, apesar de intervenções do Banco Central estimadas em US$ 850 milhões nos últimos quatro dias. Antes mesmo da promessa de apoio de Bessent, a autoridade monetária já havia vendido US$ 1,1 bilhão para tentar conter a desvalorização.
O temor dos mercados é que Milei perca capital político às vésperas das eleições legislativas de 26 de outubro, após a derrota expressiva dos libertários nas eleições provinciais de Buenos Aires em setembro.
O papel do FMI
Nesta sexta-feira (3), a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, afirmou em publicação na rede X que discutiu com Bessent os planos de assistência financeira dos EUA, incluindo o uso de Direitos Especiais de Saque (SDRs) do FMI. Essa alternativa permitiria aliviar a pressão sobre a Argentina sem a necessidade de desembolsos diretos de Washington.
O país deve ao FMI cerca de 40,3 bilhões em SDRs, o equivalente a US$ 55 bilhões, referentes a programas fracassados desde 2018. Em março, o governo de Milei já havia recebido a maior parte de um empréstimo de US$ 20 bilhões do Fundo, mas os recursos não foram suficientes para restaurar a confiança dos investidores.
Reações do mercado
Enquanto investidores locais aproveitam a volatilidade para reduzir posições, algumas gestoras internacionais enxergam oportunidade. O Citi, após visita a Buenos Aires, classificou o atual nível dos títulos como “um ponto de entrada interessante”. David Austerweil, da gestora VanEck, afirmou que aumentou exposição aos papéis argentinos após a derrota de Milei em Buenos Aires.
“Achamos que este é um bom ponto de entrada, assumindo que não haja um desastre total nas eleições de meio de mandato”, disse Austerweil.
Incerteza à frente das eleições
A análise da Bloomberg Economics alerta que a queda do peso pode corroer a confiança da população antes da votação de outubro. Para investidores estrangeiros, a possibilidade de unificação cambial seria um sinal positivo, mas há receio de que o governo consuma rapidamente suas reservas para evitar uma desvalorização que acelere a inflação.
Walter Stoeppelwerth, diretor de investimentos da corretora Grit Capital Group, resumiu o temor: “O maior risco que todos veem é que a equipe econômica desperdice os poucos dólares que tem antes das eleições de 26 de outubro. O pecado original de um governo é permitir uma desvalorização que resulte em inflação.”