Debate inédito reúne todos os candidatos à presidência da Bolívia
Debate organizado pelo Tribunal Eleitoral foi um marco democrático, mas especialistas alertam para superficialidade dos discursos e incertezas eleitorais
247 - Pela primeira vez na história recente da Bolívia, os oito candidatos à presidência participaram de um debate conjunto, realizado neste domingo (3) em Santa Cruz de la Sierra. O evento foi promovido pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) e avaliado por analistas como um marco para o fortalecimento da democracia no país andino. As informações são da Sputnik Brasil.
"É um gol da democracia boliviana", afirmou o analista político Álvaro del Pozo, destacando a relevância simbólica e institucional do encontro. "Há muitos anos não tínhamos essa experiência. Então, minhas primeiras palavras são de parabéns ao Órgão Eleitoral, que conseguiu reunir todos os candidatos sem nenhuma discriminação. Isso é importante para a democracia, principalmente para que o povo possa avaliar em quem votar", avaliou.
Embora o debate tenha sido considerado um avanço institucional, Del Pozo também apontou limites: "Não vimos um debate rico em argumentos e propostas. O público ficou com a sensação de que houve ataques em excesso, que todos trouxeram à tona o passado dos outros. Acho que houve um déficit de conteúdo", afirmou.
Esse foi o primeiro debate presidencial promovido diretamente pelo TSE — os anteriores, segundo levantamento da organização Alianza Unidad, foram organizados por câmaras empresariais e outras entidades privadas. Também foi a estreia de Andrónico Rodríguez, candidato da Alianza Popular, em um confronto direto com os demais postulantes ao Palácio Quemado. Em tom crítico, Rodríguez lembrou que "os candidatos líderes nas pesquisas — Doria Medina e Jorge 'Tuto' Quiroga — já atuavam na política quando ele nasceu, há 36 anos".
Intenção de votos e cenário fragmentado
Segundo as pesquisas mais recentes de intenção de voto, o empresário Doria Medina lidera com 24,5%, seguido de Quiroga, da Alianza Libre, com 22,9%. Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, aparece em terceiro lugar, com 7,6%, enquanto Rodríguez soma 7,4%. Manfred Reyes Villa, da coligação Súmate, tem 7,2%, e Eduardo del Castillo, do Movimento ao Socialismo (MAS), partido atualmente no governo, registra 2,1%. O candidato Jhonny Fernández, da Fuerza del Pueblo, tem 1,7%.
Além disso, 12,1% dos entrevistados declararam intenção de votar em branco, 7,4% afirmaram que irão anular o voto e 5,5% ainda se dizem indecisos. A sondagem ouviu 2.500 pessoas.
O contexto eleitoral boliviano permanece instável, e especialistas apontam que o voto rural terá papel crucial na definição do pleito. “É evidente que há cerca de 25% da população que nenhuma pesquisa consegue medir. É o voto rural disperso, das comunidades que se reúnem e decidem em conjunto em quem votar”, afirmou Jimmy Iturri, diretor do canal de televisão ATB, com 40 anos de experiência em análise eleitoral. Segundo ele, o apoio desses grupos pode ser decisivo, especialmente para nomes como Andrónico Rodríguez ou até mesmo para o voto nulo, promovido por Evo Morales.
Heranças políticas e perfis dos candidatos
O cenário também é marcado por candidatos com longa trajetória política. Doria Medina foi ministro do Planejamento na década de 1990 e responsável por importantes privatizações. Jorge Quiroga, por sua vez, foi vice-presidente de Hugo Banzer e assumiu a presidência em 2001. Rodrigo Paz é filho do ex-presidente Víctor Paz Estenssoro, e Manfred Reyes Villa, ex-oficial do Exército, tem ligação com a ditadura de Luis García Meza, nos anos 1980.
Já Rodríguez representa a nova geração da esquerda e tenta reconfigurar o campo progressista após disputas internas no MAS. O partido do atual presidente Luis Arce, que venceu em 2020 com 55,1% dos votos, enfrenta divisões que, segundo Iturri, podem custar a manutenção do poder. “Se o MAS perder o governo nestas eleições, após 20 anos no poder, será por causa das brigas internas dentro do partido”, alertou.
Iturri também criticou o papel dos conglomerados de mídia nas eleições. "Os grupos de comunicação já definiram apoio aos candidatos que lideram as pesquisas. Há outros interesses por trás disso, por isso as pesquisas historicamente falharam na Bolívia", declarou, relembrando o erro nas projeções de 2020, quando Luis Arce foi subestimado pelos institutos.
Rumo às urnas com incertezas
A apenas duas semanas das eleições, marcadas para 17 de agosto, o clima é de indefinição. “Nenhum debate vai determinar o vencedor. Mas cada candidato pode, sim, ganhar apoios ou provocar decepções”, observou Del Pozo. Ele acrescentou que boa parte do eleitorado boliviano decide seu voto no próprio dia da eleição, diante da urna, o que dificulta previsões.
Segundo o TSE, os partidos ainda precisam definir cerca de mil candidaturas para a Assembleia Legislativa Plurinacional e outros cargos. A candidatura de Jhonny Fernández, por exemplo, ainda não tem vice definido.
Para Del Pozo, esse cenário reflete uma característica própria da cultura política boliviana: “Há muitos níveis de incerteza que os bolivianos já aprendem a lidar desde o nascimento. Temos esse código da incerteza incorporado”.
O analista defende, no entanto, que após a realização do pleito será necessário promover uma ampla reforma da legislação eleitoral: “Para que no futuro não voltemos a essa situação de incerteza, que desestimula a vontade de votar e participar das decisões do país”.
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: