Nathalia Urban por Milenna Saraiva

Esta seção é dedicada à memória da jornalista Nathalia Urban, internacionalista e pioneira do Sul Global

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BRICS podem liderar ação climática na COP30 diante do recuo dos EUA e da Europa

Com o boicote de Donald Trump e a hesitação europeia, Brasil assume protagonismo nas negociações ambientais e busca consolidar liderança global

Reunião da COP30 - Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (Foto: Antonio Scorza/COP30)

247 - Às vésperas da abertura da COP30 em Belém, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, provocou polêmica ao ironizar o evento climático das Nações Unidas. Em uma postagem no Truth Social, Trump afirmou que “devastaram a Floresta Amazônica para construir uma estrada de quatro faixas para ambientalistas”, citando uma matéria da Fox News. A declaração, feita um dia após um tornado mortal atingir o sul do Brasil, foi amplamente criticada por desinformar sobre o encontro climático e desviar o foco das discussões centrais.

De acordo com reportagem publicada por Shobhan Saxena, do The Hindu, a estrada mencionada pelo republicano não tem relação alguma com a COP30, sendo um projeto de infraestrutura antigo. Apesar da ausência norte-americana no evento — a mais relevante desde a saída do país do Acordo de Paris — especialistas brasileiros acreditam que o encontro avançará sem a presença de Washington. “Não há dúvida de que a ausência da maior economia do mundo tem impacto, mas esperamos que outros países preencham essa lacuna”, afirmou o cientista Paulo Artaxo, referência em pesquisas na Amazônia. “Os Estados Unidos estão cada vez mais isolados nas decisões cruciais para o planeta.”

Enquanto isso, a Europa também dá sinais de enfraquecimento em sua política ambiental. Após intensas negociações, ministros da União Europeia aprovaram uma meta de redução de 90% das emissões até 2040, mas com brechas que permitem o uso de créditos de carbono estrangeiros, o que na prática reduz o corte real para cerca de 85%. “Definir uma meta climática não é apenas escolher um número — é uma decisão política com grandes consequências”, declarou o ministro dinamarquês Lars Aagaard, ao justificar o compromisso modesto.

Brasil e Brics assumem o protagonismo climático

O enfraquecimento das potências ocidentais já era previsto. No último encontro do grupo Brics, no Rio de Janeiro, em julho, as nações emergentes — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — firmaram o compromisso de defender um financiamento climático mais justo para os países em desenvolvimento. O bloco também aprovou o “Roteiro Baku-Belém”, um plano de US$ 1,3 trilhão liderado pela presidência brasileira da COP30 para ampliar os recursos destinados à mitigação e adaptação climática.

“O Sul Global pode liderar um novo paradigma de desenvolvimento sem repetir os erros do passado”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ocasião, pedindo que as nações ricas dobrem os fundos de adaptação até 2025 e facilitem o acesso de países pobres à tecnologia e a recursos financeiros.

Na última quinta-feira (6), Lula desembarcou em Belém para o pré-encontro da COP30 — a Cúpula do Clima — que reuniu líderes de 143 países e cerca de 100 mil participantes. “A COP30 é nossa oportunidade de fortalecer o multilateralismo climático, reconstruindo confiança, cooperação e solidariedade em um ambiente geopolítico cada vez mais difícil”, alertou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.

Fundo florestal inédito e união do Sul Global

Durante a Cúpula do Clima, o Brasil lançou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), mecanismo inovador que valoriza financeiramente as florestas em pé. O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, explicou que o fundo “atribui valor real à preservação” e defendeu que a transformação venha “de instituições, não de regras”. Com meta inicial de US$ 10 bilhões, o TFFF já arrecadou US$ 5,5 bilhões, com aportes significativos da Noruega e dos parceiros Brics, Brasil e Indonésia. França aderiu ao projeto, mas o chanceler alemão, Friedrich Merz, não anunciou valores.

O evento de Belém também servirá como palco de negociações estratégicas entre os países emergentes. Embora o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, não compareçam pessoalmente, ambos enviaram delegações de alto nível. “Estamos em diálogo constante com Índia e China sobre o financiamento climático, e os Brics apresentarão uma posição conjunta”, disse um integrante da comitiva brasileira.

“A COP da verdade”

A sessão inaugural da Cúpula do Clima, intitulada “Clima e Natureza: Florestas e Oceanos”, deu o tom da conferência que Lula chamou de “a COP da verdade”. Em seu discurso, o presidente afirmou: “É hora de transformar ambição em ação e restaurar o equilíbrio entre crescimento e sustentabilidade”. Ele destacou que proteção ambiental e desenvolvimento econômico não são excludentes, especialmente para países em desenvolvimento.

Com o afastamento dos Estados Unidos e o recuo europeu, o futuro das políticas globais contra a crise climática poderá ser escrito em nova língua — a do Sul Global — e ter como palco o coração da Amazônia, durante a COP30 em Belém.

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