TV 247 logo
      HOME > Saúde

      Trump pode aumentar preço e dificultar acesso a medicamentos genéricos para satisfazer lucro de farmacêuticas

      Organização humanitária Médicos Sem Fronteiras alerta para ofensiva do governo dos EUA que pode penalizar consumidores brasileiros

      Donald Trump - 13/08/2025 (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)
      Guilherme Levorato avatar
      Conteúdo postado por:

      247 - A organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF) alertou que a nova ofensiva do governo de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, contra a política de propriedade intelectual do Brasil pode restringir o uso de genéricos e elevar o preço de medicamentos no país. A advertência foi divulgada em carta pública após a abertura, no mês passado, de uma investigação pela Casa Branca por supostas violações comerciais brasileiras, conforme revelou Jamil Chade, no UOL.

      O escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) mira políticas e práticas brasileiras que, na visão de Washington, restringiriam indevidamente o comércio dos EUA. Entre os alvos estão as regras de patentes na área da saúde — tema que, para o MSF, coloca em risco a autonomia do Brasil para adotar medidas de interesse público e garantir medicamentos acessíveis

      O que está em jogo

      No centro do caso está o pedido de fabricantes norte-americanos por compromissos de propriedade intelectual mais rígidos do que os previstos nos acordos internacionais. Para o MSF, essa pressão busca reduzir o espaço dos genéricos no mercado brasileiro e ampliar proteções para multinacionais da área farmacêutica. Na avaliação da entidade, caso o Brasil seja forçado a ceder, o impacto direto será no bolso dos pacientes e nos cofres do sistema de saúde.

      Em carta enviada ao governo Trump, o MSF afirma que a investigação “ecoa a pressão das grandes empresas farmacêuticas” e “acusa sem fundamento” o Brasil de falhas na proteção da propriedade intelectual. A organização sustenta que a política brasileira segue padrões internacionais e que o país possui exame substantivo de patentes — mecanismo considerado essencial para barrar monopólios indevidos e evitar a concessão de patentes de “baixa qualidade”.

      "A vida das pessoas não é moeda de troca"

      Em declarações atribuídas a Mihir Mankad, diretor de Advocacy e Políticas de Saúde Global do MSF nos EUA, a entidade reforça que negociações comerciais não podem sobrepor direitos fundamentais. “A vida das pessoas não deveria nunca ser usada como moeda de troca nas negociações comerciais. Os EUA precisam parar de utilizar a política comercial para sustentar monopólios comerciais às custas dos pacientes”, afirma.

      O dirigente também adverte para o efeito de medidas que extrapolam os tratados vigentes: “Forçar o Brasil a adotar medidas de propriedade intelectual que excedem em muito os requisitos dos acordos internacionais só tornará os medicamentos ainda mais inacessíveis. O mundo deve ver isso como o que realmente é: um ataque ao direito à saúde e aos instrumentos legais estabelecidos disponíveis aos países para concretizá-lo”.

      Impacto direto no acesso a genéricos

      O MSF ressalta que mudanças pedidas pelos EUA podem travar a disponibilidade de versões mais baratas de remédios. A entidade alerta que regras antifalsificação mal calibradas, além de afetarem o combate a produtos ilegais, podem atingir cargas legítimas de genéricos. “O MSF há muito tempo alerta que regras antifalsificação excessivamente amplas aumentam o risco de apreensões indevidas de medicamentos genéricos legítimos pelas autoridades alfandegárias”, diz a carta.

      Esse tipo de abordagem, prossegue a organização, “pode levar a atrasos prejudiciais para pessoas que precisam de acesso a medicamentos que salvam vidas. Ademais, a detenção e a potencial destruição de medicamentos erroneamente classificados como falsificados podem criar um efeito inibidor sobre o comércio internacional de medicamentos genéricos”.

      O debate sobre dados de testes

      Outro ponto criticado pelos EUA seria a ausência, no Brasil, da chamada exclusividade de dados — mecanismo que impede, por um período, que reguladores usem estudos clínicos de um produto para registrar um concorrente. Para o MSF, a legislação brasileira já coíbe uso indevido e divulgação de dados confidenciais, e a criação de exclusividade abriria uma barreira artificial. “O que ela não contempla é a chamada exclusividade de dados, que o USTR historicamente pressiona os países a adotarem, apesar de estar além da proteção requerida por acordos internacionais”, afirma a organização, acrescentando que essa medida encarece o desenvolvimento de genéricos e fere princípios éticos de pesquisa.

      Brasil como referência em saúde pública

      A entidade destaca que o país tem histórico de liderança em fóruns internacionais, citando a Declaração de Doha (2001) sobre o acordo Trips e saúde pública. “Nas últimas décadas, o Brasil desempenhou um papel de liderança no avanço de importantes agendas de saúde, incluindo a Declaração de Doha de 2001 sobre Trips e saúde pública, que clama por melhor acesso a medicamentos e pela necessidade de eliminar barreiras decorrentes de sistemas disfuncionais de patentes e propriedade intelectual”, registra a carta.

      Apesar desse legado, o MSF vê “pressão persistente sobre o Brasil, questionando ações legais tomadas dentro dos limites do acordo internacional” e aponta efeitos práticos, como a revisão do papel da Anvisa em temas de patenteabilidade de produtos biofarmacêuticos — “essa disposição não está mais em vigor no Brasil”, diz o documento. A organização também critica a defesa, por parte de Washington, de iniciativas que “prejudicariam a autonomia do procedimento de exame de patentes do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial)”.

      Regras de exame e prazos de patentes

      Entre os argumentos do USTR está a demora na análise de pedidos de patentes e seus efeitos sobre o tempo de proteção. O MSF contesta: “Ao contrário de alguns países que adotaram apenas o exame formal de pedidos de patente, o Brasil possui um sistema de busca e exame substantivo, segundo o qual todos os pedidos de patente devem ser examinados antes de serem concedidos, para garantir que os critérios de patenteabilidade tenham sido atendidos”. Para a entidade, “critérios rigorosos de exame são essenciais para evitar a emissão de patentes de baixa qualidade, que restringem a concorrência e limitam o acesso a tecnologias em saúde”.

      Repercussão internacional

      O Brasil não é o único alvo, observa o MSF. A pressão do USTR também alcança Índia, China, Malásia, Chile e outros mercados. Para a organização, “nesse contexto, o MSF testemunha os efeitos nocivos de políticas que protegem interesses comerciais em detrimento das necessidades dos pacientes”. E, como grande parte da atuação humanitária depende de insumos adquiridos por governos, “as barreiras à disponibilidade e à acessibilidade afetam diretamente nossa capacidade de prestar cuidados e responder eficazmente às necessidades médicas em nossas operações”.

      Relacionados

      Carregando anúncios...