Abin alertou governo Bolsonaro com antecedência sobre colapso de oxigênio em Manaus durante a pandemia
Relatório publicado em 2025 mostra que avisos da agência foram ignorados pelo governo Bolsonaro, agravando crise da Covid-19 no Amazonas
247 - Em um documento oficial publicado discretamente em 2025, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) reconheceu que a crise de oxigênio que assolou Manaus em 2021 foi prevista com meses de antecedência. O material, que compila as “memórias” da atuação da agência durante a pandemia de Covid-19, revela que diversos alertas sobre o agravamento da situação no Amazonas foram encaminhados ao governo Jair Bolsonaro (PL), mas acabaram ignorados, informa Jamil Chade, no Vero Notícias.
Além de prever a falta de oxigênio, os relatórios internos da Abin apontavam a subnotificação de mortes por Covid-19 e os riscos representados pelo garimpo ilegal para a disseminação do vírus entre populações indígenas. Em um briefing datado de 11 de maio de 2020, a agência já alertava para o impacto da mineração ilegal no avanço da pandemia: “o trânsito de pessoas em função do garimpo rompe a barreira de isolamento relativo que tem sido responsável por proteger essas populações”, afirmava o documento.
Alerta ignorado e subnotificação de mortes - De acordo com um agente da Abin que atuava na Superintendência Estadual do Amazonas — e cuja identidade foi preservada —, a realidade dos relatórios produzidos no estado não condizia com o discurso oficial do governo Jair Bolsonaro, que minimizava a gravidade da situação. “A realidade que relatávamos nos documentos não se alinhava com um discurso que na época defendia que as notícias que saíam na mídia sobre Manaus eram exageradas”, afirmou o servidor.
Segundo ele, os relatórios da Abin em Manaus passaram a ser feitos diariamente com o avanço da crise sanitária. Ao relatar o cotidiano na cidade, o agente descreveu que o único ponto com trânsito era a avenida que levava ao cemitério, que passou a limitar a entrada de veículos para os sepultamentos: “O cemitério não comportava aquela quantidade de gente enterrando os familiares”.
A subnotificação de óbitos era evidente para a agência, que passou a confrontar os dados oficiais com registros das funerárias. A comparação com os três anos anteriores mostrou que a média de 28 mortes por dia saltou para picos de até 167 mortes diárias durante a pandemia. No entanto, os registros oficiais contabilizavam apenas cerca de 30% desse total. “Só se contabilizava a morte por Covid-19 de pacientes que tinham passado por algum teste”, relatou o agente.
Tensão interna e resistência à verdade - O servidor também revelou que os relatórios elaborados pela superintendência em Manaus geraram desconforto na direção-geral da Abin, então alinhada ao governo federal. “Havia uma expectativa de que as informações da Abin pudessem corroborar o discurso de que a crise em Manaus estava sendo exagerada”, afirmou. “Mas não podíamos mentir. A crise, na verdade, era muito mais grave".
Ele destacou que a própria existência de covas coletivas, inicialmente questionada por autoridades, foi confirmada pela agência e documentada pela imprensa. “Não tinha como negar”, disse.
Crise do oxigênio era previsível - Apesar da aparente retomada da normalidade em outubro de 2020, com reabertura do comércio e festas retornando, a cidade voltou ao caos em janeiro de 2021, durante o colapso do fornecimento de oxigênio. O agente relatou: “Foi horrível, e ainda com relatos de desvio de dinheiro que era para comprar respiradores, golpes aplicados em quem tentava comprar oxigênio, um absurdo!”.
A falta de planejamento foi considerada uma tragédia anunciada. Segundo o servidor, já em abril de 2020 a Abin havia produzido um relatório sobre gases medicinais alertando que, em caso de aumento exponencial da demanda, poderia haver desabastecimento. “Foi exatamente o que aconteceu em Manaus alguns meses depois”, afirmou.
Efeitos psicológicos na equipe - O impacto emocional do cenário vivido também foi relatado. “Foi um período de muito estresse, ansiedade, insônia”, revelou o agente. Em um dos episódios, ele dormiu de roupa social e sapatos, exausto, antes de enviar um relatório à sede em Brasília. “Quando acordei, não consegui entender o que estava acontecendo, que horas eram, por que estava dormindo de roupa social e sapato, fiquei desorientado por um tempo".
Ele conclui o testemunho reconhecendo o desafio de manter o trabalho diante do desinteresse da direção-geral e da tentativa de preservar a qualidade técnica da equipe. “Era muito estressante”, resumiu.
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