Presos em Miami, imigrantes foram obrigados a se ajoelhar para comer 'como cachorros', revela relatório
Detentos relatam maus-tratos, fome, negligência médica e condições degradantes em unidades do ICE
247 - “Às 19h, finalmente nos deram o almoço. Estávamos algemados, de modo que não podíamos alcançar os pratos com as mãos. Tivemos, então, de colocar os pratos nas cadeiras e depois nos abaixar para comer com a boca, como cachorros. Tínhamos de comer como animais.” O relato de Pedro, imigrante detido em Miami, é um dos muitos testemunhos colhidos em um relatório divulgado nesta segunda-feira (22) pelas organizações Human Rights Watch (HRW), Americans for Immigrant Justice e Sanctuary of the South. As informações são do jornal britânico The Guardian e da agência AFP.
O documento, com quase 100 páginas, detalha abusos considerados "potencialmente mortais" em três centros de detenção administrados pela Agência de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) na Flórida: o Krome North Service Processing Center (Krome), o Broward Transitional Center (BTC) e o Federal Detention Center (FDC). Os casos se intensificaram após a posse de Donald Trump, em janeiro deste ano, que voltou à presidência prometendo deportar milhões de imigrantes em situação irregular nos Estados Unidos.
Segundo o relatório, detentos enfrentam maus-tratos físicos e verbais, além de condições de detenção degradantes. Pedro e outro imigrante, Chauhan, relataram que foram transferidos em abril sob forte escolta, com os pés algemados e as mãos presas às costas, e passaram horas sem alimentação. “Eram as 17h e ninguém havia almoçado. Alguns nem tomaram café da manhã. Podíamos ver a comida através das grades da nossa cela em um carrinho. A comida estava à nossa frente, mas os guardas se recusaram a nos dar”, contou Chauhan à HRW.As denúncias incluem "revistas invasivas injustificadas, comportamento humilhante por parte dos oficiais e transferências punitivas". No centro Krome, por exemplo, mulheres relataram a ausência de chuveiros adequados, falta de alimentação específica para seu gênero e o uso forçado de banheiros diante de homens.
O relatório também aponta que, em determinados momentos, os centros de detenção estavam tão superlotados que detentos foram mantidos por mais de 24 horas dentro de um ônibus estacionado, sem condições sanitárias mínimas. “O ônibus ficou nojento. Era o tipo de banheiro que normalmente as pessoas só urinam, mas como ficamos tanto tempo no ônibus e não nos deixaram sair, outros chegaram a defecar”, afirmou um dos detidos. “Por causa disso, o ônibus inteiro cheirava fortemente a fezes.”Ao serem finalmente admitidos em uma das unidades, os imigrantes disseram ter passado até 12 dias confinados em salas geladas, dormindo no chão de concreto e sem acesso a roupas de cama. “Quando saí, quase todas as salas de visita estavam lotadas. Algumas estavam tão cheias que os homens nem conseguiam sentar, todos tinham que ficar de pé”, relatou Andrea, uma das detentas.
A situação se agravou com denúncias de negligência médica, especialmente no centro de Broward, onde a haitiana Marie Ange Blaise, de 44 anos, morreu em abril. Os detidos dizem ter tido o acesso a cuidados médicos e psicológicos negado com frequência. Em um dos episódios descritos, funcionários teriam desligado uma câmera de vigilância para permitir a entrada de uma "equipe de controle de distúrbios", que agrediu detentos que protestavam contra a falta de atendimento a um companheiro que tossia sangue. Duas mortes estariam ligadas diretamente à negligência médica, conforme o relatório.“Estes não são incidentes isolados, mas o resultado de um sistema de detenção fundamentalmente falho e repleto de abusos graves”, afirmou Belkis Wille, representante da HRW.
Diante da superlotação, o estado da Flórida iniciou a construção de uma nova instalação de grande porte, apelidada de "Alligator Alcatraz", com capacidade para até 5 mil imigrantes em situação irregular. A iniciativa tem gerado forte controvérsia, especialmente entre defensores dos direitos humanos.
“A escalada anti-imigração e as táticas de fiscalização do governo Trump estão aterrorizando as comunidades e separando as famílias, o que é especialmente cruel no estado da Flórida, que prospera por causa de suas comunidades de imigrantes”, declarou Katie Blankenship, advogada de imigração e cofundadora da Sanctuary of the South. “A abordagem rápida, caótica e cruel de prender e encarcerar pessoas é literalmente mortal e está causando uma crise de direitos humanos que afetará todo o país nos próximos anos.”De acordo com o relatório, a média de pessoas detidas em centros de imigração em junho foi de 56.400, das quais cerca de 72% não possuíam antecedentes criminais. Em 2024, a média anual havia sido de 37.500.
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