Juristas criticam acareação marcada por Toffoli com diretor do BC sobre caso Master
Decisão tomada sem pedido da Polícia Federal levanta questionamentos sobre imparcialidade, sigilo e papel do STF em investigação de fraudes bilionárias
247 – A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli de determinar, de ofício, uma acareação no inquérito que apura suspeitas de irregularidades envolvendo o Banco Master provocou forte reação entre juristas e especialistas em direito penal. Para criminalistas ouvidos pelo jornal Estado de S. Paulo, a iniciativa, tomada sem provocação da Polícia Federal, é considerada insólita, ocorre em um momento inadequado da apuração e pode configurar produção de prova pelo próprio magistrado, o que colocaria sob risco a imparcialidade do processo.
Toffoli determinou que sejam colocados frente a frente, na próxima terça-feira, 30, o presidente do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB), Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino Santos. A decisão ganhou ainda mais repercussão por envolver diretamente um alto funcionário do Banco Central no confronto com um investigado ligado à instituição financeira liquidada sob suspeita de fraudes.
Segundo o jornal Estado de S. Paulo, Aquino era o diretor do BC mais favorável à operação de venda do Master para o BRB, enquanto o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução, Renato Dias Gomes, teria adotado posição mais resistente ao negócio. O episódio expõe um cenário de disputa interna no Banco Central, em meio à tentativa de venda do Master antes de sua liquidação.
Para o criminalista Rodrigo Chemim, doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a decisão de Toffoli contraria princípios elementares do sistema acusatório. “O juiz não deve tomar iniciativa, produzir provas, fazer acareações, determinar diligências. Isso não faz sentido no sistema acusatório. A gente tem visto isso no Supremo Tribunal Federal e eles estão desrespeitando a própria jurisprudência da Corte”, afirmou.
Chemim também destacou que a decisão entra em atrito com o entendimento firmado pelo próprio STF ao julgar a constitucionalidade do juiz de garantias, quando a Corte definiu que magistrados não devem conduzir investigações, mas sim fiscalizar a legalidade das apurações conduzidas por órgãos como Polícia e Ministério Público, assegurando direitos fundamentais e o devido processo legal.
O caso Banco Master ganhou dimensão nacional após o Banco Central vetar, em setembro, a proposta do BRB para comprar parte das ações do banco. Em seguida, em novembro, o BC decretou a liquidação da instituição e, junto com a Polícia Federal, apontou indícios de R$ 12,2 bilhões em fraudes no sistema financeiro.
Na última quinta-feira, 18, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou estar “à disposição” do STF para prestar esclarecimentos sobre o processo de liquidação do banco. Segundo ele, a autarquia tomou o cuidado de documentar todas as etapas do procedimento que levou à decisão e pretende encaminhar esses dados ao Supremo.
Embora Toffoli já tenha solicitado depoimentos de investigados e dirigentes do Banco Central, esta é a primeira vez que determina uma acareação no caso. Para o ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Renato Vieira, o momento escolhido para o confronto é inadequado. Ele explicou que a acareação é um procedimento excepcional, previsto para confrontar versões contraditórias já formalizadas, e não para ser usada no início da investigação. “Esse não é o momento propício da investigação para uma acareação, de jeito nenhum. Nós não sabemos se houve depoimentos conflitantes, se nós não sabemos se houve pontos controvertidos sobre os quais seja necessário esclarecer, o procedimento está errado, está sendo usado de um jeito errado”, disse.
Além das críticas sobre a diligência, o caso também passou a ser questionado pelo sigilo imposto por Toffoli ao inquérito. Para Chemim, trata-se de um tema de interesse social que deveria estar mais exposto ao escrutínio público, exceto por dados pessoais que exigissem resguardo.
Imparcialidade do ministro
O professor Thiago Bottino, da FGV Rio, afirmou que a medida, se confirmada como decisão tomada sem provocação, pode comprometer a imparcialidade do ministro. Para ele, ao assumir a condução direta de atos investigativos e produzir provas, o magistrado corre o risco de formar convicção antes do julgamento. “Porque ele deve julgar de forma imparcial, a partir do que as partes apresentarem de provas. Se ele mesmo toma iniciativa de produzir prova, isso acaba enviesando o julgamento”, avaliou. Bottino reconheceu que há exceções legais que autorizam intervenções judiciais, como interceptações telefônicas, mas afirmou que esse tipo de hipótese não parece se aplicar ao caso do Banco Master, ainda que exista debate doutrinário sobre o tema.
A investigação também ganhou maior atenção após revelações envolvendo o ministro do STF Alexandre de Moraes. Segundo reportagens recentes, Moraes teria conversado com Galípolo sobre o assunto e feito pressões em prol da venda do banco ao BRB. O tema avançou após a colunista Malu Gaspar, de O Globo, relatar reuniões entre os dois. O jornal Estado de S. Paulo informou ainda que Moraes chegou a ligar seis vezes para Galípolo em um único dia para tratar do tema. O objetivo seria salvar a instituição financeira comandada por Vorcaro.
Contrato com a esposa de Moraes
A controvérsia aumentou com a revelação de que a esposa de Moraes, Viviane Moraes, teria fechado um contrato de R$ 129 milhões para representar o Banco Master em Brasília, inclusive no Banco Central. Em nota, Moraes disse ter se encontrado com Galípolo duas vezes apenas para tratar de sanções dos Estados Unidos contra ele, por meio da Lei Magnitsky, e negou ter feito ligações ou discutido a venda do Master. O Banco Central afirmou que o tema tratado foi o das sanções, sem mencionar negociações entre instituições financeiras.
A decisão de Toffoli também teve repercussão no Congresso. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que anunciou que recolherá assinaturas para instalar uma CPI das fraudes do Banco Master, ironizou a acareação marcada para 30 de dezembro, em pleno recesso e sem provocação da PF ou do Ministério Público. “Juiz marcar acareação no dia 30/12, em pleno recesso, sem provocação do MP ou PF, é a coisa mais comum do mundo. O despacho casual no jatinho e o contrato milionário da esposa do colega certamente não têm nenhuma relação com essa decisão. É só Natal Master”, afirmou o senador.
Na direção oposta, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) comemorou a iniciativa e elogiou Toffoli. “Golaço de Toffoli”, disse, referindo-se à acareação determinada pelo ministro.
O episódio amplia o debate sobre os limites institucionais do STF em investigações criminais e reforça a pressão por transparência e rigor jurídico em casos que envolvem o sistema financeiro, figuras públicas e suspeitas de fraudes em larga escala.


