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      Disputa entre Índia e EUA sobre tarifas e petróleo russo reacende tensões diplomáticas e pode ter consequências mais amplas

      Ofensiva tarifária de Trump e críticas a Nova Déli colocam em xeque 25 anos de aproximação, enquanto Índia se reaproxima de Rússia e China

      Modi fala durante entrevista coletiva ao lado de Trump (Foto: Reuters)

      247 - As relações entre Índia e Estados Unidos enfrentam seu pior momento em décadas após o presidente dos EUA, Donald Trump, impor uma nova rodada de tarifas sobre produtos indianos. Segundo reportagem da Reuters, a medida foi desencadeada pelas compras continuadas de petróleo russo por Nova Déli, num contexto de crescente tensão entre Washington e Moscou, aponta reportagem da Reuters.

      A decisão de Trump de elevar em mais 25% as tarifas sobre importações indianas — que já estavam taxadas em 25% — gerou forte reação em Nova Déli, onde tanto a oposição quanto setores da sociedade civil acusam Washington de “intimidação”. Em nota oficial, o governo indiano classificou as tarifas como “injustas, injustificadas e irracionais”, e prometeu “tomar todas as medidas necessárias para proteger seus interesses nacionais”.

      A provocação do presidente dos EUA, sugerindo que a Índia poderia buscar petróleo em seu rival histórico Paquistão, acentuou ainda mais o mal-estar diplomático. Fontes do governo indiano relataram desconforto com essa declaração, que foi acompanhada por outras acusações de Trump de que ele teria usado o comércio como moeda de troca para conter conflitos militares entre Índia e Paquistão — alegações rejeitadas por Nova Déli.

      Nos bastidores, autoridades indianas reconhecem que um agravamento da crise pode prejudicar não apenas o comércio bilateral, mas também iniciativas estratégicas conjuntas. Ao contrário da China, que detém instrumentos como o controle sobre minerais raros, a Índia não dispõe de ferramentas semelhantes para negociar em posição de força com os Estados Unidos.

      A escalada tarifária ameaça desmontar um quarto de século de aproximação. Desde os testes nucleares indianos de 1998 — que levaram a sanções por parte dos EUA —, os dois países vinham consolidando uma parceria estratégica. Isso incluiu o acordo de 2008 sobre tecnologia nuclear civil, além do fortalecimento da cooperação em defesa e inteligência, especialmente no âmbito do Quad, aliança formada por Índia, EUA, Japão e Austrália para conter o avanço da China no Indo-Pacífico.

      Para Ashley Tellis, pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace, a Índia vive um impasse delicado. “A Índia agora está em uma armadilha: por causa da pressão de Trump, Modi reduzirá as compras de petróleo da Rússia pela Índia, mas ele não pode admitir isso publicamente por medo de parecer que está se rendendo à chantagem de Trump”, analisou. “Podemos estar caminhando para uma crise desnecessária que destruirá um quarto de século de ganhos arduamente conquistados com a Índia.”

      De fato, refinarias estatais indianas interromperam recentemente a compra de petróleo russo, citando a diminuição dos descontos e o aumento da pressão política de Washington.

      Divergências estruturais

      Além da questão do petróleo, outros pontos de atrito entre os dois países ganharam força. Segundo analistas, a divergência entre as prioridades indianas e a base política de Trump se torna cada vez mais evidente, especialmente em temas como imigração, vistos de trabalho e terceirização de serviços.

      “A relação com a Índia corre o risco de virar bola de futebol na política interna americana”, alertou Evan Feigenbaum, ex-funcionário sênior do Departamento de Estado durante o governo George W. Bush. Em publicação no LinkedIn, ele lembrou que temas como os vistos H1B, outsourcing de serviços e compartilhamento de tecnologia com estrangeiros são altamente sensíveis no ambiente político polarizado dos EUA.

      Esse desgaste diplomático não é novo. Em fevereiro, imagens de indianos deportados em aviões militares dos EUA, com mãos e pernas algemadas, chocaram o público indiano às vésperas de uma visita de Modi a Washington. Outro episódio marcante ocorreu no fim de 2023, quando os EUA denunciaram um complô ligado a autoridades indianas para assassinar um separatista sikh em território americano — o que foi negado por Nova Déli.

      Para Sukh Deo Muni, ex-diplomata indiano e professor da Universidade Jawaharlal Nehru, a credibilidade do governo Modi junto aos EUA está abalada. “Talvez haja pessoas que pensem que a Índia ou Modi precisavam ser recolocados nos trilhos, se não tivessem aprendido uma lição. E se essa tendência continuar, estou bastante preocupado que o desafio seja bastante poderoso e difícil para a Índia navegar”, afirmou.

      Aposta em alianças alternativas

      Diante do impasse com Washington, Nova Déli começa a ampliar seus vínculos com países fora da órbita dos EUA, incluindo rivais estratégicos como Rússia e China. De acordo com fontes do governo, a Índia pretende estreitar relações com blocos e regiões que também enfrentam impactos das medidas unilaterais de Trump, como a União Africana e o BRICS — grupo que inclui Brasil, Rússia, China e África do Sul.

      Na semana passada, a Rússia anunciou conversas com a Índia para ampliar a cooperação em defesa, no contexto de uma “parceria estratégica particularmente privilegiada”. A visita do presidente russo, Vladimir Putin, a Nova Déli ainda neste ano deve consolidar essa tendência.

      A aproximação com Pequim também surpreende. Após anos de distanciamento causados por confrontos fronteiriços, inclusive o episódio mortal em 2020, Modi planeja visitar a China pela primeira vez desde 2018. “A Rússia tentará explorar a divergência entre os EUA e a Índia propondo a restauração da trilateral Rússia-Índia-China e novos projetos de defesa”, disse o analista Aleksei Zakharov, da Observer Research Foundation, com sede na capital indiana.

      Na avaliação de Zakharov, “a Índia, sem dúvida, estará atenta a fatores estruturais, como sanções contra a Rússia, e buscará um acordo com o governo Trump”.

      O futuro da parceria Índia-EUA, portanto, está em aberto. A retórica agressiva de Trump, combinada com o recalibramento da política externa indiana, aponta para um período de turbulência em uma das alianças mais estratégicas do século XXI.

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