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Como o Vale do Silício está se tornando o novo braço tecnológico do Exército dos EUA

Meta, OpenAI e Google mudam políticas e ampliam parcerias militares em meio a disputas com China, guerras e apoio de Trump à indústria bélica

Na posse de Donald Trump, Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon) e a noiva, Lauren Sanchez, Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (X), em Washington - 20/01/2025 (Foto: Julia Demaree Nikhinson/REUTERS)

247 - A militarização do Vale do Silício, tradicionalmente associado à inovação e ao consumo digital, entrou em uma nova fase com a aproximação cada vez mais explícita de gigantes da tecnologia ao setor de defesa dos Estados Unidos. A Folha de S. Paulo mostra como, em plena era do presidente Donald Trump, nomes como Meta, OpenAI e Google mudaram radicalmente suas políticas para se tornarem aliadas estratégicas do Pentágono.

Em uma cerimônia simbólica realizada em junho, na Base Conjunta Myer-Henderson Hall, em Arlington (Virgínia), quatro executivos de alto escalão — incluindo Andrew Bosworth, da Meta — foram nomeados tenentes-coronéis da nova unidade do Exército dos EUA chamada Destacamento 201, criada para aconselhar as Forças Armadas em inovações tecnológicas. Eles usavam uniformes militares e já passaram por treinamento básico.

“Desesperadamente precisamos do que eles são bons”, afirmou o secretário do Exército, Daniel Driscoll. “É um eufemismo o quão gratos estamos por eles assumirem esse risco para vir e tentar construir isso conosco".

O fim do tabu tecnológico-militar - Até poucos anos atrás, era impensável para empresas como Google e Meta participarem de projetos militares. Após protestos internos como o que derrubou o contrato “Projeto Maven” em 2018, o Google chegou a se comprometer a não desenvolver IA para armamentos. Isso mudou. Em 2024, a empresa aboliu formalmente a política que proibia o uso de IA em armas, argumentando que “as democracias devem liderar no desenvolvimento de IA”.

A Meta seguiu caminho semelhante. Em maio, a empresa anunciou um acordo com a Anduril para desenvolver tecnologias de realidade virtual com fins militares. A justificativa de Bosworth, em conferência realizada em São Francisco: “Há uma base patriótica muito mais forte do que as pessoas dão crédito ao Vale do Silício".

Já a OpenAI, que também removeu as restrições ao uso militar de sua tecnologia, firmou parceria com a Anduril para desenvolver sistemas de defesa antidrone. Segundo o CEO Sam Altman, “temos que, e temos orgulho de, e realmente queremos nos envolver em áreas de segurança nacional”.

Pressão geopolítica, influência política e bilhões em jogo - O alinhamento entre tecnologia e defesa é estimulado por uma conjunção de fatores: o avanço militar da China, os conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza, e uma profunda reestruturação do orçamento do Pentágono. Com o apoio direto de Donald Trump, o Congresso aprovou uma proposta de orçamento recorde de US$ 1 trilhão para 2026, que inclui robustos investimentos em sistemas autônomos e IA militar.

“Proteger democracias é importante”, afirmou Raj Shah, sócio da Shield Capital, que financia empresas de segurança. “Existem autoritários ruins por aí que não acreditam em fronteiras".

O capital de risco também está investindo pesado. A Andreessen Horowitz, por exemplo, anunciou US$ 500 milhões para empresas que promovam o “dinamismo americano”, enquanto a Y Combinator, conhecida por apoiar startups de consumo, financiou sua primeira empresa de defesa em 2024. Segundo dados da consultoria McKinsey, os aportes em empresas de defesa cresceram 33% em um ano, alcançando US$ 31 bilhões.

Startups militares ganham força e status - A startup Anduril é hoje a principal referência dessa nova onda. Fundada por Palmer Luckey, criador do Oculus, a empresa levantou US$ 2,5 bilhões em investimentos e assinou contratos bilionários com os Fuzileiros Navais e o Departamento de Defesa para desenvolver sistemas antidrone e defesa aérea com tecnologia de ponta. Seu valor de mercado ultrapassa US$ 30 bilhões, superando empresas tradicionais como Lockheed Martin e Northrop Grumman.

Outra revelação é a Regent, que desenvolve planadores marítimos elétricos para fins militares e civis. A empresa, antes ignorada no ambiente do Vale do Silício, já arrecadou mais de US$ 100 milhões desde 2023 e garantiu contrato de US$ 15 milhões com os Fuzileiros.

“É claro que estamos em um ciclo de euforia”, reconheceu Billy Thalheimer, CEO da Regent, que lembra de ter sido visto como “um deslocado” em sua primeira passagem pela Y Combinator em 2021.

Raízes militares e retorno ao passado - A nova postura do Vale do Silício representa, em certa medida, um retorno às suas origens. Na década de 1950, a região começou a se transformar graças aos investimentos do Departamento de Defesa dos EUA, que buscava superar a União Soviética na corrida tecnológica durante a Guerra Fria.

A DARPA, agência de pesquisa militar, foi a incubadora de tecnologias como a internet e apoiou diretamente a criação do Google, através de subsídios concedidos aos então estudantes Larry Page e Sergey Brin.

Margaret O’Mara, historiadora da Universidade de Washington, resume o cenário: “Essas empresas do Vale do Silício são hipercompetitivas, e em sua busca para entrar nesses setores de defesa, não há muita pausa para pensar".

Hoje, com o apoio direto da Casa Branca sob Donald Trump e a aprovação da elite empresarial de direita, o que antes era tabu virou estratégia de sobrevivência — e lucratividade.

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