Brasil aciona os EUA na OMC contra tarifas de Donald Trump e reforça defesa do multilateralismo
Governo Lula recorre à OMC contra medidas adotadas pelos EUA e denuncia desequilíbrio nas regras comerciais globais
247 - Em uma resposta direta às novas tarifas impostas pelo governo de Donald Trump, o Brasil acionou formalmente os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC). O pedido de consulta, considerado o primeiro passo de uma disputa comercial no âmbito multilateral, foi protocolado nesta quarta-feira (6) pela missão brasileira junto à OMC, sediada em Genebra, informa a Folha de S. Paulo.
Apesar de a medida ter poucas chances de gerar efeitos práticos imediatos, devido à paralisação do órgão de apelação da OMC desde 2019, o governo Lula avalia a iniciativa como um gesto político fundamental, com objetivo de reafirmar o compromisso do Brasil com as regras do comércio internacional e com a preservação do sistema multilateral.
Reação articulada pelo governo - A ação brasileira ocorre dois dias após reunião do Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior (Camex), presidido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e composto por ministros estratégicos do governo, como Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil).
Na véspera da entrega do pedido, o chanceler Mauro Vieira havia antecipado que o Brasil abriria o procedimento de consultas na OMC. “Ao se distanciar dos compromissos multissetoriais característicos da OMC, a medida desestabiliza o equilíbrio construído ao longo de décadas de negociações multilaterais e representa sério risco à arquitetura internacional de comércio”, afirmou o Itamaraty em nota técnica que embasou a decisão.
Segundo o governo brasileiro, as tarifas adotadas por Washington ferem obrigações assumidas pelos próprios Estados Unidos no âmbito da OMC, incluindo a cláusula da Nação Mais Favorecida — que garante tratamento igualitário entre os membros — e o teto tarifário consolidado.
Etapas do processo e obstáculos - O procedimento de consulta é uma fase preliminar no sistema de solução de controvérsias da OMC. Nela, o país que se considera prejudicado solicita explicações e propõe a revisão das medidas contestadas. Se não houver entendimento no prazo de 60 dias, o Brasil poderá solicitar a abertura de um painel arbitral.
Esses painéis são compostos por três especialistas escolhidos pelas partes envolvidas. Após a análise das petições e realização de audiências, o painel elabora um relatório avaliando a compatibilidade das medidas com os tratados da OMC. Em teoria, o prazo para essa decisão é de seis meses, prorrogável por mais três. No entanto, casos complexos podem levar até cinco anos.
Se uma das partes discordar do parecer do painel, é possível apelar ao Órgão de Apelação — instância máxima da OMC. O problema, contudo, é que esse colegiado está inoperante desde 2019, por bloqueio dos próprios Estados Unidos, sob comando de Donald Trump ainda em seu primeiro mandato. Desde então, mais de 20 disputas foram encaminhadas “ao vácuo”, sem qualquer desfecho final.
Essa paralisia compromete gravemente o sistema multilateral de resolução de disputas comerciais. Mesmo que o painel decida em favor do Brasil, a ausência de uma instância recursal torna o cumprimento da decisão incerto, caso os EUA decidam contestá-la.
Gesto simbólico em defesa do comércio justo - Diante desse cenário, o recurso à OMC ganha um caráter essencialmente simbólico. O governo Lula busca marcar posição internacional ao denunciar o desrespeito dos Estados Unidos às regras que ajudaram a construir. A atitude também reforça o papel do Brasil como defensor do multilateralismo e da previsibilidade nas relações comerciais globais.
Abaixo, nota do Ministério de Relações Exteriores do Brasil sobre o pedido de consultas aos Estados Unidos na OMC relativo a tarifas impostas a produtos brasileiros:
O Brasil apresentou pedido de consultas aos Estados Unidos da América (EUA) no âmbito do Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A solicitação questiona medidas tarifárias aplicadas por meio das Ordens Executivas intituladas “Regulamentação das Importações com uma Tarifa Recíproca para Corrigir Práticas Comerciais que Contribuem para Elevados e Persistentes Déficits Comerciais Anuais em Bens dos Estados Unidos”, de 2 de abril de 2025, e “Abordagem de Ameaças aos Estados Unidos por parte do Governo do Brasil”, de 30 de julho de 2025. Somadas, as medidas podem resultar na aplicação de tarifas de até 50% sobre ampla gama de produtos brasileiros.
As sobretaxas foram adotadas com base em legislações dos EUA, como a Lei dos Poderes Econômicos de Emergência Internacional (“International Emergency Economic Powers Act” – IEEPA) e a Seção 301 da Lei de Comércio norte-americana de 1974.
Ao impor as citadas medidas, os EUA violam flagrantemente compromissos centrais assumidos por aquele país na OMC, como o princípio da nação mais favorecida e os tetos tarifários negociados no âmbito daquela organização.
As consultas bilaterais, concebidas para que as partes busquem uma solução negociada para a disputa antes do eventual estabelecimento de um painel, são a primeira etapa formal no âmbito do sistema de solução de controvérsias na OMC.
O governo brasileiro reitera sua disposição para negociação e espera que as consultas contribuam para uma solução para a questão.
A data e o local das consultas deverão ser acordados entre as duas partes nas próximas semanas.
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