Alemanha reafirma oposição ao reconhecimento da Palestina e se isola entre aliados
Mesmo sob pressão internacional e doméstica, governo alemão mantém doutrina que vincula apoio a Israel à responsabilidade histórica pelo Holocausto
247 - Em meio à crescente adesão de países ocidentais ao reconhecimento do Estado da Palestina como resposta à crise humanitária em Gaza, a Alemanha mantém posição contrária. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o governo alemão reafirmou que só reconhecerá a Palestina ao fim de um processo de negociação, o que evidencia um distanciamento da postura adotada recentemente por aliados como França, Reino Unido e Canadá.
O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, declarou após visita a Jerusalém: “A Alemanha tem uma posição diferente”. Para o diplomata, a única saída viável para o conflito seria a criação de dois Estados, solução que “permite às pessoas de ambos os lados viverem em paz, segurança e dignidade”. Wadephul reforçou que esse processo de negociação precisa ser iniciado “em breve”.
Pressão internacional e mudanças internas - Ao contrário de países como Portugal, Espanha, Noruega e Eslovênia — que passaram a reconhecer formalmente a Palestina nas últimas semanas em protesto à condução da guerra por Benjamin Netanyahu — a Alemanha, maior economia da Europa, se ancora em sua responsabilidade histórica pelo Holocausto como pilar de sua política externa. “A Alemanha tem uma responsabilidade especial com relação a Israel”, afirmou o ministro.
No entanto, Wadephul admitiu que “a situação dramaticamente agravada em Gaza não pode e não vai deixar a Alemanha indiferente”. Ele alertou ainda que Israel corre risco de isolamento na comunidade internacional caso não reavalie sua conduta militar e humanitária.
Dissensos na coalizão e pressão da sociedade civil - A resistência ao governo israelense não parte apenas de observadores externos. Dentro da própria coalizão alemã — formada pelo partido de centro-direita CDU e pelo social-democrata SPD — há crescente insatisfação com a passividade diante das ações do governo Netanyahu. No final de julho, mais de 200 artistas alemães assinaram uma carta aberta ao premiê Friedrich Merz, com o título: “Não deixe Gaza morrer, sr. Merz”.
“A opinião pública alemã mudou de forma perceptível nas últimas semanas”, afirmou Meron Mendel, diretor do Centro Educacional Anne Frank e professor da Universidade de Frankfurt, também à Folha. “A pressão sobre o governo aumenta para que ele seja mais firme com Netanyahu.”
Apesar da crescente crítica interna, Mendel avalia que a Alemanha mantém uma abordagem cautelosa semelhante à dos Estados Unidos: “Não surpreende que a Alemanha — ao lado dos EUA — continue tratando o governo israelense com cautela, sem impor consequências políticas até agora".
Doutrina Merkel ainda molda política externa - A postura adotada atualmente pelo chanceler Friedrich Merz segue fiel à doutrina estabelecida por Angela Merkel, para quem “a segurança de Israel é razão de Estado para a Alemanha”. O conceito de “Staatsräson” (razão de Estado), cunhado pela ex-primeira-ministra, foi reafirmado por seu sucessor Olaf Scholz após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023.
Esse compromisso, no entanto, é cada vez mais questionado por setores da sociedade que enxergam a necessidade de equilibrar essa responsabilidade histórica com a urgência humanitária em Gaza — onde denúncias de bloqueios à ajuda médica e alimentar se acumulam. Segundo relatos recentes, há ainda receios de anexação da Cisjordânia e de ocupação completa da Faixa de Gaza por parte do governo israelense.
“Fase decisiva” para a diplomacia alemã - Wadephul reconheceu o momento de inflexão: “Estamos em uma fase decisiva, na qual a Alemanha precisa se posicionar”. Após encontro com Netanyahu, o ministro afirmou: “Vim aqui como representante de um país com uma obrigação histórica que não termina, com a segurança do único Estado judeu, e que ao mesmo tempo está ligado a Israel pelos laços humanos mais estreitos”.
Ao mesmo tempo em que garantiu que a Alemanha permanece “firmemente ao lado de Israel” e defende a libertação dos reféns ainda mantidos pelo Hamas, Wadephul cobrou ações concretas de Tel Aviv para evitar um colapso humanitário.
Diplomacia como ferramenta de influência - Apesar das críticas, há entre autoridades alemãs a convicção de que a relação especial com Israel pode ser usada como mecanismo de influência. “Se as fortes relações com Israel realmente levarem Netanyahu a levar a sério as preocupações de Berlim e a encerrar a guerra, seria uma estratégia válida”, avaliou Meron Mendel. Mas o acadêmico também demonstrou ceticismo: “A experiência mostra que, com Netanyahu e seus parceiros de extrema direita, palavras não bastam".
Para ele, o sucesso da pressão dependerá de uma ação coordenada entre as democracias ocidentais. Wadephul, por sua vez, concluiu a visita a Jerusalém com um tom de esperança moderada: “Tenho a impressão de que isso começa a ser compreendido”.
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