Internet livre está ameaçada no Brasil, aponta Estado de S. Paulo
Em editorial, jornal alerta para risco de subordinação da governança digital à Anatel e vê ameaça à liberdade e à inovação
247 – O jornal O Estado de S. Paulo publicou neste sábado (20) um editorial em que alerta para uma ameaça à liberdade da internet no Brasil, diante do que classifica como uma tentativa de submeter a governança digital à burocracia da Anatel. Segundo o texto, essa mudança representaria um retrocesso institucional e democrático, colocando em risco o modelo de rede livre e participativa que fez do país uma referência global.
O Estadão afirma que, desde 1995, o Brasil desenvolveu um sistema exemplar de governança multissetorial, com a criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) — estrutura que reúne governo, empresas, academia e sociedade civil. Dessa experiência nasceram entidades como o NIC.br, Registro.br, IX.br, Cetic.br e Cert.br, que garantem estabilidade, segurança e transparência à rede brasileira.
O jornal recorda que o Marco Civil da Internet, de 2014, consolidou os pilares desse modelo — liberdade de expressão, neutralidade de rede e privacidade — e afirma que tais princípios estão agora sob ataque.
Estadão critica avanço da Anatel sobre a internet
No editorial, o Estado de S. Paulo sustenta que, nos últimos três anos, a Anatel vem ampliando seu poder sobre o ecossistema digital, sob o argumento de “modernização regulatória”. O texto cita a revogação da Norma 4, que por décadas distinguiu os serviços de telecomunicações — sob jurisdição da Anatel — dos serviços de valor adicionado, como a internet.
De acordo com o jornal, essa distinção era fundamental para preservar a internet fora da lógica centralizadora das telecomunicações. A revogação, no entanto, teria aberto espaço para que a agência reivindique controle sobre pontos de troca de tráfego, provedores de nuvem e registros de domínios, áreas que, segundo o editorial, sempre estiveram fora do seu escopo técnico e político.
O Estadão cita ainda o Projeto de Lei 4.557/24, que pretende subordinar o CGI.br à estrutura da Anatel, e classifica a proposta como uma tentativa de “estatizar a governança da rede”, substituindo um modelo plural e cooperativo por outro hierárquico e dependente do Estado.
Jornal vê “golpe silencioso” contra a internet livre
O editorial menciona o alerta da Internet Society e do pesquisador Konstantinos Komaitis, ex-diretor da organização, que chamou o projeto de “golpe silencioso”. Para o Estadão, romper a separação entre telecomunicações e internet significaria “trocar a colaboração pela autorização, a liberdade pela licença”.
O jornal defende que o modelo brasileiro funciona e inspira confiança internacional, e que submeter a internet à lógica burocrática de uma autarquia federal minaria a essência da rede livre: o poder compartilhado, descentralizado e resistente à concentração de autoridade.
Críticas à expansão do controle estatal
O Estado de S. Paulo também associa o contexto atual à ampliação do poder estatal sobre o debate digital, mencionando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal. Segundo o jornal, há risco de burocratização da liberdade, com o discurso de “regulação das redes” podendo se converter em instrumento de controle político.
Embora reconheça a necessidade de políticas de regulação e combate à desinformação, o editorial alerta que “proteger a internet não é controlá-la” e que confundir segurança digital com censura ou vigilância estatal seria seguir o caminho de regimes autoritários.
Liberdade como fundamento democrático
Para o Estadão, o Brasil enfrenta uma escolha histórica: preservar a arquitetura descentralizada e livre da internet — que fez do país exemplo global — ou ceder à centralização e ao controle político.
“Defender o CGI.br é defender a democracia digital — e a democracia real”, escreve o jornal. “Porque a internet, em última instância, não é uma infraestrutura: é uma ideia. E essa ideia é liberdade.”
O editorial conclui que a internet brasileira prosperou justamente por ter sido livre, e que seu futuro depende de resistir a qualquer tentativa de captura institucional ou submissão burocrática.


