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Editorial do Globo tenta naturalizar a barbárie e defende intervencionismo norte-americano na Venezuela

Sob o pretexto de criticar Maduro, o jornal repete o discurso que historicamente legitimou invasões, golpes e tragédias na América Latina

O presidente reeleito Nicolás Maduro fala ao povo na sacada do Palácio Miraflores (Foto: PSUV)

247 – O editorial publicado nesta sexta-feira (17) em O Globo, ao tratar da escalada de tensões entre os Estados Unidos e a Venezuela, é mais do que um texto de opinião: é um retrato fiel de como parte da imprensa brasileira segue submissa à lógica do imperialismo norte-americano. Com uma retórica travestida de defesa da democracia, o jornal tenta naturalizar a possibilidade de uma intervenção militar estrangeira em território latino-americano — algo que, à luz do direito internacional, não é apenas ilegítimo, mas um crime de guerra.

O texto admite, de passagem, o “histórico lastimável” de intervenções dos EUA na América Latina, mas logo em seguida relativiza esse mesmo histórico para justificar a presença de 10 mil soldados norte-americanos nas proximidades da costa venezuelana. Aparentemente, para O Globo, reconhecer o passado criminoso basta — a repetição da história, porém, é tratada como um mal necessário.

A velha fórmula: demonizar governos, santificar invasores

O jornal constrói sua argumentação sobre uma equação conhecida: pintar um governo do Sul Global como uma tirania e apresentar os Estados Unidos como portadores da salvação. Ao longo do texto, o adjetivo “nefasto” usado para descrever Nicolás Maduro é menos uma avaliação política do que um gatilho emocional, usado para preparar o leitor para aceitar o inaceitável — a ideia de que uma invasão norte-americana seria uma resposta compreensível.

Essa lógica repete, passo a passo, as campanhas midiáticas que antecederam a destruição do Iraque, da Líbia e do Afeganistão. O Globo tenta dar aparência de prudência quando afirma que “seria condenável qualquer violação de soberania”, mas, logo em seguida, esvazia a própria condenação ao afirmar que “é inegável” que a ofensiva norte-americana decorre da “obstinação tirânica de Maduro”. A culpa, portanto, deixa de ser de quem ataca — e passa a ser de quem é atacado.

Silêncio sobre o imperialismo e desprezo pela soberania

Nenhuma linha do editorial se dedica a questionar a legalidade das operações secretas da CIA admitidas pelo próprio Donald Trump, tampouco o massacre de 27 venezuelanos mortos em ataques navais na costa do país. Para o jornal, a informação parece irrelevante diante da “necessidade moral” de combater o chavismo. Não há uma palavra sobre o direito dos povos latino-americanos à autodeterminação — princípio inscrito na Carta das Nações Unidas e cláusula pétrea do sistema internacional.

Ao omitir deliberadamente que as sanções e as agressões norte-americanas agravaram a crise humanitária na Venezuela, O Globo não apenas erra: atua como cúmplice de um projeto colonial que busca subjugar a região à força das armas e do dólar.

A manipulação da linguagem como arma

O texto editorial segue um roteiro clássico do discurso colonial: primeiro, demoniza o inimigo (“ditador”, “tirano”, “corrupto”); depois, humaniza o agressor, descrevendo as ações militares como “investidas” ou “operações”; e, por fim, isenta o poder imperial de responsabilidade, atribuindo à vítima o papel de provocadora.

Quando o jornal diz que “nada disso é normal nem desejável, mas é inegável que se trata de um mal decorrente da obstinação tirânica de Maduro”, está, na prática, justificando o uso da força — como se o assassinato de civis fosse uma consequência inevitável de um líder teimoso.

O papel vergonhoso da mídia brasileira

O mais grave, contudo, é que O Globo se posiciona hoje da mesma forma que se posicionou durante os golpes de 1964 no Brasil e de 1973 no Chile: apoiando as ações de Washington e criminalizando governos nacionais eleitos, ainda que autoritários ou impopulares.

A coerência do jornal não está na defesa da democracia — está na defesa dos interesses geopolíticos dos Estados Unidos.

Ao legitimar a retórica belicista de Trump e ao tratar a intervenção militar como hipótese razoável, o editorial rasga qualquer pretensão de independência jornalística. A imprensa que se cala diante da violação da soberania latino-americana não é neutra — é cúmplice.

Em resumo: o texto de O Globo não é uma análise — é um panfleto pró-imperialista que, sob a máscara da defesa da liberdade, flerta com a barbárie. Num momento em que o mundo multipolar se consolida e o Sul Global busca afirmar sua autonomia, reviver a narrativa da “salvação americana” é um gesto de servilismo histórico e moralmente indefensável.

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