CNJ homenageia Alfredo Attié por decisão em favor dos direitos humanos
O prêmio foi motivado por um voto histórico que condenou um shopping center de Mauá (SP) por discriminação racial contra um cliente negro
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou, no dia 12 de agosto de 2025, a cerimônia de entrega do 2.º Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos. A iniciativa visa reconhecer magistrados cujas decisões incorporaram tratados e convenções internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.
O desembargador Alfredo Attié, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), foi homenageado na categoria Direitos dos Afrodescendentes, ganhando destaque por sua acuidade jurídica e compromisso com a proteção e promoção da igualdade racial.
A solenidade aconteceu no plenário do CNJ, em Brasília, e foi transmitida ao vivo pelo canal oficial no YouTube. A iniciativa faz parte do Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos, que fortalece o compromisso do sistema de Justiça com o controle de convencionalidade. Ou seja, a adequação das leis e decisões judiciais aos tratados internacionais de direitos humanos.
Foram premiadas 21 autoridades judiciais, com placas ou menções honrosas distribuídas em 16 categorias temáticas, como direitos das mulheres, indígenas, pessoas privadas de liberdade, entre outros.
O concurso recebeu decisões judiciais tomadas entre16 de fevereiro de 2022 e 16 de setembro de 2024.
Alfredo Attié é desembargador integrante da 26.ª Câmara de Direito Privado do TJSP. Ele também preside a Academia Paulista de Direito, é mestre e doutor em Filosofia do Direito pela USP, e mestre em Direito Comparado pela Cumberland School of Law. Sua trajetória acadêmica e jurídica é marcada por intensa atuação na formação de pesquisadores, eventos internacionais e publicações de relevância.
Attié é autor de diversos livros na área jurídica, entre eles Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados. Mas não só na área jurídica. É autor também de “Brasil em Tempo Acelerado: Política e Direito".
O desembargador, que é colunista do Brasil 247 e analista da TV 247, é autor de uma obra em inglês, publicada pela Tirant Lo Blanch, “Towards International Law of Democracy” (Rumo ao Direito Internacional da Democracia, em tradução livre), definida pelos editores como “um sopro de esperança em nossa época de ameaça à democracia”.
Os editores anotam ainda que Alfredo Attié escreveu “um estudo original e profundo sobre o significado da democracia e sua construção histórica, estabelecendo engenhosamente o vínculo entre democracia, direito internacional e relações internacionais.”
E acrescentam: “Attié não teme introduzir novos conceitos operacionais e fazer propostas para a renovação da teoria jurídica em geral, e da teoria do direito internacional em particular. Para tanto, aplica um discurso e um método que vinculam com ousadia direito, política e cultura, revisitando os temas clássicos e mais importantes da teoria política. Um marco no desenvolvimento do direito e da justiça”
O acórdão
O reconhecimento do CNJ foi motivado por um voto histórico que condenou um shopping center de Mauá (SP) por discriminação racial contra um cliente negro.
O processo envolveu um consumidor que, no dia 26 de outubro de 2021, foi seguido por seguranças, oficiais e à paisana, ao circular pelo shopping. Após questionar a razão da vigilância, foi expulso aos gritos e empurrões, sem qualquer justificativa plausível, segundo a ação.
A sentença de primeira instância rejeitou o pedido de indenização, mas o voto de Attié reformou a decisão e fixou R$ 25 mil de reparação por danos morais.
Trechos marcantes do voto
Em seu voto, Attié destacou que “está demonstrado, tanto pelas provas produzidas, quanto pelo cenário brasileiro de discriminação racial, que, de fato, o autor foi seguido pelos seguranças da ré sem qualquer motivação aparente, senão em razão de se tratar de pessoa negra”.
O desembargador definiu o perfilamento racial como “prática discriminatória, calcada em estereótipos e em tirocínio de policiais e agentes de segurança privado, em que pessoas negras são vigiadas, investigadas, selecionadas ou abordadas, a partir da utilização de critérios subjetivos, e por uma perspectiva racista”.
Ao fundamentar sua decisão, citou a Convenção Interamericana contra o Racismo, ressaltando que ela impõe “o dever do Estado e da sociedade de erradicar a desigualdade em todos os aspectos, do econômico ao cultural, levando a sério a cidadania, de modo integral e absoluto”.
O voto ainda reforçou que, mesmo na segurança privada, “a natureza privada da segurança não retira o seu caráter de segurança cidadã”, cabendo aos estabelecimentos oferecer “cursos e treinamentos específicos a seus seguranças privados com enfoque em direitos humanos e com perspectiva racial, para o fim de abolir, entre outras práticas, o perfilamento racial”.
Base legal e internacional
Attié aplicou o Código de Defesa do Consumidor para inverter o ônus da prova (ope legis) e responsabilizar o shopping, enquadrando o caso como defeito na prestação de serviço. Ele também citou precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem a ilicitude do perfilamento racial, inclusive em abordagens privadas.
O CNJ destacou que o acórdão é um exemplo de controle de convencionalidade, pois integra normas internacionais de direitos humanos ao julgamento doméstico. O voto de Attié é visto como referência para a magistratura no combate à discriminação racial nas relações de consumo.