“Só existe uma proposta válida: a regulação das big techs”, diz Sérgio Amadeu
Sociólogo defende que o Brasil aproveite o momento para aprovar uma regulação ampla das plataformas digitais, com transparência algorítmica
247 - Sérgio Amadeu defendeu que o país avance para uma regulação ampla das grandes plataformas digitais, indo além de medidas fragmentadas que tratam apenas da proteção de crianças e adolescentes. Para ele, o desafio central está na própria arquitetura de dados e na forma como as empresas de tecnologia capturam e exploram a atenção dos usuários. “Só existe uma proposta válida: a regulação das big techs”, afirmou.
A declaração foi dada em entrevista ao programa Boa Noite, da TV 247, no qual o sociólogo argumentou que governo e Congresso devem priorizar um marco regulatório capaz de abranger o desenho dos sistemas, o fluxo e uso dos dados, além da transparência dos algoritmos — e não se limitar ao controle de conteúdos voltados ao público infantojuvenil.
O eixo da proposta: transparência e limites ao poder algorítmico
Para explicar por que a regulação precisa ir além do tema da infância, Amadeu descreveu a lógica operacional das plataformas: identificação constante, coleta e cruzamento massivo de dados e modulação de comportamentos por algoritmos opacos. “Eles têm um cenário sobre o que interessa cada um de nós. E aí, o que que eles querem com isso? Eles querem controlar a nossa atenção para depois modular o nosso comportamento” Segundo ele, essa dinâmica exige regras sobre quais dados podem ser coletados, por que são coletados e como sistemas de recomendação priorizam, bloqueiam ou impulsionam conteúdos. “Nós queremos saber que dados eles coletam, por eles estão coletando esses dados, quem eles estão bloqueando, quem eles estão incentivando, por que eles estão fazendo isso. Nós queremos uma maior transparência dos sistemas algorítmicos”
Projetos em debate: ECA Digital, PL 2630 e a janela legislativa
No diagnóstico do sociólogo, há uma “comoção” pública recente em torno da “adultização” e da vulnerabilidade de crianças e adolescentes, o que pode acelerar a aprovação do PL 2628 (ECA Digital). Ele reconhece esse avanço, mas recomenda não perder a oportunidade de retomar a “regulação das plataformas” de forma ampla, como a discutida no PL 2630. “O escândalo não é o melhor legislador”, afirmou, ao defender que o país trate do núcleo estrutural: a governança das plataformas, sua engenharia de atenção e a transparência obrigatória de seus sistemas.
Questionado sobre a estratégia política, Amadeu avalia que o governo pode apoiar um projeto mais maduro no curto prazo e, simultaneamente, encorpar uma proposta geral de regulação das plataformas. “É o momento de tentar, é o momento de tentar retomar a regulação das plataformas”
Por que não fatiar: do desenho de produto à venda de atenção
Amadeu descreveu práticas de teste contínuo e personalização invisível para manter usuários engajados e vender inventário de atenção a quem paga. “Eles vendem a nossa atenção para quem quiser comprar, para quem tem dinheiro para comprar, vendem a nossa atenção” Ele relaciona esse modelo à expansão de conteúdos e serviços que exploram vulnerabilidades — o que inclui, mas não se limita, à infância e adolescência. Por isso, insiste que regras sobre design manipulativo, coleta e uso de dados, auditoria e prestação de contas sejam centrais na lei, e não um apêndice.
Disputa política e reação das plataformas
Segundo Amadeu, haverá resistência organizada e tentativas de reduzir o alcance da regulação por meio de narrativas conhecidas. Ele mencionou a tendência de algumas bancadas de deslocar o debate para pautas moralizantes e lembrou que “o Trump quer exatamente é evitar qualquer tipo de regulação. Ele já disse isso”. Para o sociólogo, a resposta precisa ser institucional, com dispositivos que tornem auditáveis os sistemas de recomendação e prestem contas sobre bloqueios, impulsionamentos e critérios de moderação. Assista:
