Reginaldo Nasser: “Lula não deve cair na retórica de Trump”
Analista adverte sobre riscos de estratégias discursivas e destaca caráter negociador do presidente brasileiro
247 - Em entrevista ao Boa Noite 247, o professor de Relações Internacionais Reginaldo Nasser analisou o recente encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Nasser afirmou que Lula deve resistir a “ondas discursivas” e evitar ser pressionado por retóricas globais que beneficiam o interesse estadunidense.
Segundo o analista, embora discursos possuam carga simbólica, não se pode permitir que moldem concretamente a conduta de chefes de Estado com perfis geopolíticos distintos. “Para que isso determine a conduta do presidente, a distância é grande”, disse Nasser, referindo-se ao grau de autonomia que Brasil e EUA devem preservar na diplomacia.
Priorizar negociação a encenações
Nasser relacionou a participação histórica de Lula como negociador à sua capacidade de resistir a pressões externas. “A marca do Lula é de negociador. Todo mundo que participou de conversas com o Lula sabe disso”, afirmou, ressaltando que a diplomacia exige equilíbrio entre firmeza e pragmatismo.
Ao comentar o discurso agressivo adotado por Trump em vários de seus posicionamentos, Nasser fez duras críticas. Ele apontou que boa parte da retórica norte-americana é movida por interesses internos, e que o Brasil não deve se deixar conduzir por esse tipo de “onda discursiva”.
Além disso, o entrevistado alertou que o combustível político de Trump no Brasil tem sido a extrema direita, que ele, segundo Nasser, emprega como instrumento circunstancial: “Esse combustível vai se desgastando, então ele vai tirando o pé do acelerador”. Ele também criticou o comportamento oscilante de Trump quanto a aliados e políticos estrangeiros:
“Você viu que ele humilhou o Zelenski, depois afagou o Zelenski, voltou atrás… por vezes ele faz gestos cambaleantes, mas creio que, em linhas gerais, haverá um procedimento de negociação com o Governo Lula”
O plano Trump para a Palestina e limites da paz
Além do tema Brasil-EUA, a entrevista abordou a política externa estadunidense e o recente plano para a questão palestina. Nasser classificou o projeto americano como um ultimato, não um plano de paz, e questionou o processo de formulação:
“Esses planos não podem ser vistos apenas no mérito — o processo importa. Isso aqui parece mais ultimato do que proposta de paz”
Ele observou que, no plano anunciado, há pontos acertados (como cessar-fogo e troca de reféns), mas também cláusulas complexas que demandarão negociação intensa sobre desarmamento, gestão territorial e definição de Estado palestino. Segundo o analista, o Hamas aceitou algumas dessas medidas como estratégia, mas resistirá em outras áreas consideradas centrais.
Nasser avaliou que o cenário internacional carece de atores com poder equilibrador: Israel, com o apoio irrestrito dos EUA, “vai para cima” quando não enfrenta limites estratégicos. Em paralelo, o analista afirmou que a hipótese de dois estados tende a se tornar inviável, e defendeu a promoção de um Estado laico e plural como possível alternativa à lógica atual.
Reflexos no Brasil e no tarifaço
O posicionamento de Trump contra o Brasil, com ameaças de taxação unilateral, também foi analisado. Em outra entrevista recente, Nasser disse que as ofensivas tarifárias estadunidenses sinalizam intenções ocultas — que vão além de simples disputas comerciais — e ressaltou que tais medidas criam instabilidade e afastam parceiros econômicos globais.
Para Nasser, Lula e sua equipe devem resistir a imposições externas e negociar com firmeza, sem ceder à pressão simbólica. Ele crê que o caráter negocial do governo brasileiro pode garantir autonomia diante de relatos ruidosos e retóricos.
A tensão Brasil-EUA, as estratégias de Trump no Oriente Médio e as negociações diplomáticas moldarão não apenas relações bilaterais, mas também o posicionamento do Brasil no cenário global de alianças e disputas simbólicas. Assista: