Martin Jacques: “China se consolida como líder global frente a Trump”
Professor e autor de "Quando a China Governar o Mundo" disse que a China pensa à frente e rejeita operar nos termos de Donald Trump
247 - O professor e escritor Martin Jacques, autor do livro "When China Rules the World (Quando a China Governar o Mundo, em tradução livre)", analisou a ascensão da China no cenário internacional e ressaltou o contraste entre a estratégia de Pequim e a postura do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Jacques afirmou a China pode ser compreendida como a líder global em diversos setores estratégicos. Ele explicou que o país se organiza de maneira planejada e consistente:
“A China pensa à frente, faz tudo de forma muito ponderada, enquanto Donald Trump não tem um plano.” Segundo Jacques, Pequim também evitou se submeter às pressões de Washington: “A China se recusou a operar nos termos de Trump.”
Para o professor, a força da China mudou a lógica das relações com os EUA: “Os americanos, por causa da força da China, perceberam que não podem simplesmente impor. Ela tem força em minerais de terras raras, que são cruciais para os microchips.” Ele acrescentou: “Em termos industriais, a China é a líder global. Ela também detém muitos títulos do Tesouro. Por isso os EUA recuaram.”
Jacques destacou que essa força também se expressa na forma como a China estreita sua relação com países mais vulneráveis: “Nesse sentido, a China ajuda muitos outros países. Em muitos casos, eles são frágeis.”
Ele criticou a visão de Trump sobre as nações em desenvolvimento: “Trump tem desprezo pelos países mais pobres, sempre os descrevendo em termos pejorativos. Sua atitude em relação aos BRICS reflete a mesma postura.”
O autor também contestou análises que previam uma “ocidentalização” da China: “A tendência nas análises antes era dizer que a China se tornaria como o Ocidente. Mas isso era bobagem. A China não se ocidentalizou; ao contrário, permanece distinta. Assim como Índia e Brasil, que se desenvolverão à sua própria maneira.”
Ele lembrou que a ruptura nas relações entre China e Estados Unidos foi acentuada no governo Trump: “A virada contra a China foi iniciada por Donald Trump. Antes, as relações EUA–China nunca foram exatamente maravilhosas, mas também não eram terríveis.”
Ao descrever a economia chinesa, Jacques destacou a intensidade da competição interna: “A China é uma sociedade incrivelmente competitiva. Houve uma enorme concorrência por lá. Havia mais de 600 montadoras. Isso não funciona com tantas, mas podemos terminar com cerca de 30, com um exemplo formidável, que é a BYD. O mercado doméstico deles é muito competitivo. Quando vão para outros países, têm a experiência de uma concorrência muito dura. E acho que temos de nos acostumar com isso.”
O professor ressaltou ainda a criatividade e a capacidade de inovação estimuladas pelo Estado: “Precisamos entender que a China é muito criativa, em setores como o de automóveis. Sustento que é um modelo melhor. Nesse caso, não começou pelo setor privado, mas com o Estado orientando o capital dessa maneira.”
Para Jacques, é essencial analisar a China a partir de suas próprias características: “Não podemos rotulá-la como capitalista de Estado, socialista ou qualquer outra coisa, porque isso é contaminado pela história. A China é muito específica. Quais são suas especificidades? O papel central do Estado. Isso não é novidade. Do outro lado, o Ocidente é fortemente anti-Estado. São blocos de construção diferentes.”
Ele rejeitou comparações com a União Soviética: “Eu não comparo a China à URSS. A URSS fracassou, e a China prosperou. A competição ocorre dentro dos limites do Estado. Ela molda uma competição capitalista quanto à direção. As relações da China com suas próprias big techs, como a Alibaba, mostram como isso é gerido, enquanto nos EUA tem sido sem controle. Na China, tem sido fortemente regulado. O caso de Jack Ma, o empreendedor muito talentoso e figura-chave na China, pressionou para que o sistema financeiro fosse reformado. Mas o governo pensou diferente e ele aprendeu uma lição.”
Sobre o Brasil, Jacques declarou: “No caso brasileiro, tenho muito interesse nos debates.” E acrescentou que o Ocidente desenvolvido também pode tirar lições da experiência chinesa: “Há lições importantes para o mundo desenvolvido aprender.”
Por fim, o professor destacou o papel da China no BRICS e na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), mas rejeitou a ideia de que o país deva ser visto como um modelo universal: “A BRI é uma influência, o BRICS é uma influência, em que a China é o país mais importante. É uma fonte de ajuda, apoio e exemplo, enquanto o Brasil se afirma diante dos EUA. Mas a China não deve ser um modelo, como a União Soviética se via. A visão da China é que ela não pode ser um modelo. A China é tão diferente que é inconcebível que um país como o Brasil possa emular o modelo. Esses países podem aprender.”