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“Bolsonarismo é filho da Lava Jato”, afirma Gisele Cittadino

A jurista e professora Gisele Cittadino reflete sobre os efeitos da Lava Jato e seu papel na gênese dos discursos de poder no Brasil

“Bolsonarismo é filho da Lava Jato”, afirma Gisele Cittadino (Foto: Divulgação )

247 - Na entrevista concedida ao programa Conversas com Hildegard Angel, Gisele Cittadino traçou um panorama crítico dos desdobramentos judiciais e políticos do país, afirmando que “o bolsonarismo é filho da Lava Jato”. Na conversa, que pode ser conferida na TV 247 ela recorreu ao histórico acadêmico e sua atuação pública para fundamentar sua interpretação das transformações recentes.

Cittadino, formada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba e doutora em Ciência Política pelo IUPERJ, atuou como professora associada na PUC‑Rio, com ênfase em filosofia constitucional, direitos fundamentais e justiça distributiva. Na entrevista, ela constrói uma narrativa na qual a operação Lava Jato ultrapassou a esfera do combate à corrupção para se tornar um instrumento de perseguição política, produzindo consequências profundas no cenário institucional e eleitoral.

O ponto de virada de 2016 ao protagonismo midiático

Segundo Cittadino, o processo que deu origem ao bolsonarismo como força política teve seu impulso a partir dos excessos da Lava Jato. Ela recorda que, em 2017, participou da elaboração da “Carta dos Juristas” em resposta ao que via como manipulação do sistema jurídico com fins escusos. Para ela, esse documento foi um marco de repercussão política antes mesmo de o termo lawfare ser incorporado ao debate público.

Em síntese, ela sustenta: “a operação Lava Jato se aproveita de uma real situação de corrupção na Petrobras para fazer disso um circo político envolvendo o presidente Lula”. Na sua visão, a operação não se limitou a punir ilícitos, mas passou a agir como plataforma midiática e política, articulando juízes, Ministério Público, Polícia Federal e auditores federais como se fossem uma máquina coordenada de poder.

“É como se tivéssemos tirado o debate democrático da política”

Ao longo da entrevista, Cittadino teceu duras críticas ao que considera um processo de despolitização:

“O cerne do discurso da Lava Jato é que política no Brasil é igual à corrupção”

“Esse discurso antipolítica joga no lixo todos os partidos políticos”

“A operação Lava Jato não só foi uma experiência do que a gente chama de lofer, uso do direito para perseguir pessoas, partidos políticos, ideias”

Para ela, ao estabelecer a narrativa de que os políticos são inerentemente corruptos, a Lava Jato abriu espaço para líderes que condenam o “politiqueiro” e se colocam como portadores de moral, sem compromisso partidário ou eleitoral — conceito que dialoga com a ascensão de discursos autoritários que se afastam da mediação democrática.

Cittadino também questiona o que identifica como centralização de poder em juízes e promotores:

“Você organiza quatro forças independentes do sistema de justiça e faz com que essas forças atuem conjuntamente da forma mais ilegal possível no sentido de perseguir alguém”

“Levamos o debate da legitimidade para a boca do juiz”

Nesse entendimento, o direito deixa de ser instrumento de controle institucional e se torna arenas de guerra política — com impactos nefastos para a representação democrática.

Impactos econômicos, reproduções ideológicas e a tarefa da crítica institucional

Cittadino relaciona a atuação da Lava Jato com efeitos concretos: ela menciona que a operação teria contribuído para uma retração de 2,5% no PIB e pela perda de cerca de 3 milhões de empregos nos setores industrial e da construção civil, segundo estudos à época. Na sua avaliação, não se trata apenas de crítica retórica ao Judiciário: há uma tessitura profunda entre poder econômico, mídia e mecanismos institucionais.

Ela ainda alerta para os riscos de legitimação de discursos fascistas quando a política é tratada como indigna por definição:

“Se você pega a operação Lava Jato, todos os políticos são corruptos. Então, quando vem aquela onda, nós somos o pessoal da técnica, da moral, da justiça, não da política”

Dessa forma, ela traça uma ponte entre as práticas da Lava Jato e a consolidação de lideranças que evitam o embate partidário, defendendo discursos de “neutralidade moral” e rejeição ao conflito democrático.

Legado e desdobramentos no presente político

Embora Cittadino situe 2016–2018 como momento decisivo, sua análise não se estende até o presente sem relevância. A entrevista termina com reflexões sobre o uso das redes sociais, o ativismo digital e os novos modos de disputa político‑jurídica, ressaltando que quem mobiliza linguagem e símbolos institucionais pode moldar percepções e afetar decisões individuais — inclusive eleitorais.

Mesmo sem abordar diretamente a situação política atual, sua leitura sugere que o legado da Lava Jato permanece vivo nas disputas de legitimidade, nos discursos judiciais e no tratamento público dos atores políticos.

Ao analisar criticamente a relação entre justiça, política e poder, Gisele Cittadino propõe um alerta: não basta questionar casos específicos — é preciso refletir sobre como o Estado de Direito pode ser instrumentalizado e como a crítica institucional deve permanecer viva em contextos de tensão democrática. Assista: 

 

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