“Prefiro ficar com pecha de ter gastado do que de caloteiro”, diz Haddad
Ministro da Fazenda condena mudança nas regras de pagamento das dívidas judiciais e afirma que decisão é “ilegal” e “irracional”
247 - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), voltou a defender o cumprimento das obrigações do poder público com seus credores e fez duras críticas à recente emenda constitucional que altera as regras de pagamento dos precatórios. Durante um seminário promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) nesta sexta-feira (24), o ministro classificou como “ilegal” e “irracional” o adiamento desses pagamentos, que somam bilhões de reais. As informações são do Metrópoles.
A medida cria espaço para um gasto adicional de cerca de R$ 12,4 bilhões no orçamento de 2026. A mudança tem sido alvo de críticas de juristas e entidades representativas de credores, que consideram a decisão uma espécie de moratória disfarçada. A Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) chegou a protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a emenda.
“Prefiro ficar com a pecha de ter gastado mais do que ficar com a pecha de caloteiro”, afirmou Haddad, durante sua fala no seminário. Ele reforçou que os precatórios — dívidas reconhecidas pela Justiça — devem ser pagos conforme a lei. “Depois que o precatório foi expedido, somente com comprovação de dolo ou fraude esse título pode ser suspenso. Caso contrário, deve ser respeitado”, completou o ministro.
O governo federal foi beneficiado pela nova regra, que permite retirar os valores de precatórios do limite de gastos imposto pelo marco fiscal. Na prática, isso cria uma margem orçamentária maior em um ano eleitoral, o que, para Haddad, não deve justificar o não pagamento das dívidas judiciais.
Embora não tenha mencionado diretamente seu antecessor Paulo Guedes, o ministro fez referência à PEC dos Precatórios, aprovada em 2021, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. A proposta havia adiado o pagamento das dívidas da União para 2027, abrindo espaço para novos gastos.
Após sua participação, Haddad foi homenageado pelo IASP por sua atuação na quitação de precatórios quando foi prefeito de São Paulo, entre 2013 e 2016. “Há, de fato, o apreço ao Direito, à Justiça e às instituições. Como prefeito [de São Paulo], fiz mais do que como ministro da Fazenda: pagava o fluxo e resgatava os precatórios da cidade”, destacou.
Críticas da OAB e impactos para credores
A OAB-SP argumenta que a nova emenda afeta gravemente os direitos dos credores e amplia a insegurança jurídica. A entidade alerta que as mudanças podem atrasar até mesmo os pagamentos de quem aceita acordos com deságio — ou seja, que abre mão de parte do valor a receber. Antes, o desconto máximo permitido era de 40%, mas agora o limite foi eliminado.
Outro ponto de contestação é a mudança no índice de correção dos precatórios. Os valores, antes atualizados pela taxa Selic, passarão a ser corrigidos pelo IPCA — que mede a inflação — acrescido de 2% ao ano. Segundo cálculos da OAB, essa alteração pode reduzir os valores em até 30%, afetando principalmente idosos, pessoas com deficiência e pensionistas de baixa renda, que representam cerca de 80% dos credores.
Apoio de municípios
Por outro lado, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) defende a mudança. A entidade argumenta que o novo modelo pode aliviar uma “bomba fiscal” que ameaça as finanças das prefeituras brasileiras. Dados do Fórum Nacional de Precatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontavam que, antes da mudança, 95% dos estados e municípios poderiam quitar suas dívidas até 2029.
O debate sobre os precatórios segue polarizado entre a necessidade de responsabilidade fiscal e o dever constitucional de honrar compromissos judiciais. Para Haddad, a prioridade deve ser o respeito à Justiça e aos credores. “Não há crescimento econômico sustentável sem confiança nas instituições e sem que o Estado cumpra o que deve”, afirmou.


