Michel Temer assume defesa do Cruzeiro do Sul em disputa bilionária com o FGC
Temer foi contratado pela família Indio da Costa e tenta adiar julgamento de ação de R$ 4,3 bilhões contra o Fundo Garantidor de Créditos
247 - Michel Temer, que ocupou a presidência da República após o golpe de Estado contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, passou a integrar a equipe de defesa do extinto banco Cruzeiro do Sul, da família Indio da Costa, em um processo bilionário contra o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), informa o Valor Econômico. O caso chama atenção no setor financeiro, já que o FGC foi condenado em primeira instância a pagar R$ 4,3 bilhões ao banco falido — e o julgamento da apelação, que ocorreria na última semana, acabou sendo adiado após a entrada de Temer no processo.
A sessão da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) foi adiada horas depois de Temer se juntar à defesa. Em sua manifestação, Temer argumentou que a causa possui alta complexidade e que é necessário mais tempo para ouvir todas as partes envolvidas. Ele ressaltou ainda que a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) ingressaram como amicus curiae, sem que o Cruzeiro do Sul tivesse oportunidade de se manifestar.
Temer também destacou que o Ministério Público alterou sua posição ao longo do processo, passando a apoiar a tese do FGC. “Ocorre que já foi marcada pauta de julgamento para amanhã, mas não se deu à parte o direito à manifestação sobre tais argumentos ou da pertinência da nova manifestação ministerial”, afirmou em petição.
A sessão foi remarcada para o dia 19 deste mês. Três desembargadores votarão inicialmente; se não houver unanimidade, outros dois magistrados serão convocados. O caso é acompanhado de perto pelo mercado financeiro, já que o resultado pode impactar diretamente o funcionamento do sistema de garantias de depósitos.
Além da atuação nesse processo, Temer foi recentemente contratado pelo Banco Master, de Daniel Vorcaro, que enfrenta dificuldades financeiras. Ele revelou no programa Roda Viva ter sido convidado para atuar como mediador nas tratativas do banco com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. “Me chamaram duas semanas atrás a Brasília, quando ainda se achavam interessados na formalização da transação [com o BRB]. Estava também o Daniel Vorcaro, e o Ibaneis disse que queria que eu fizesse uma mediação”, contou.
Disputa judicial e alegações bilionárias
O imbróglio entre o Cruzeiro do Sul e o FGC se arrasta há anos. A família Indio da Costa, que controlava o banco, alega que o fundo foi responsável pela quebra da instituição ao interromper aportes financeiros previstos em acordo firmado em 2011. Já o FGC sustenta que, após a liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central, o contrato perdeu a finalidade e, portanto, não havia mais obrigação de continuar os aportes.
Na sentença de primeira instância, o juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, rejeitou a tese do FGC. Ele afirmou que a liquidação do banco não isentava o fundo de cumprir o acordo. “Aliás, o que se tem, em realidade, é que a própria situação excepcional já fora gestada em razão deste inadimplemento, argumento que, por si só, mostra o equívoco da tese de defesa”, escreveu o magistrado.
Monteiro Filho concluiu ainda que, se os aportes tivessem sido realizados, o Cruzeiro do Sul não teria entrado em colapso. “A documentação encartada, bem como os argumentos trazidos, deixam muito claro que o não ingresso dos valores contratados para o banco renderam-lhe a imposição do regime de liquidação extrajudicial e, em última análise, sua falência".
Desdobramentos paralelos
Enquanto o processo principal avança, a BEM DTVM, ligada ao Bradesco e responsável por administrar fundos que canalizavam os recursos do FGC ao Cruzeiro do Sul, firmou acordo extrajudicial com o banco. As partes pediram a extinção parcial da ação, embora o valor envolvido não tenha sido divulgado. O Bradesco, procurado, não comentou o caso.
A situação do FGC também é delicada em outros processos que envolvem o mesmo banco. Em um deles, o relator do TJSP, desembargador Eduardo Azuma Nishi, votou contra o fundo ao entender que ele não poderia ter resgatado um CDB às vésperas da liquidação extrajudicial. Além disso, o FGC ainda tenta transferir o julgamento para a Justiça Federal, sob o argumento de que há atos praticados por um liquidante nomeado pelo Banco Central — uma tese considerada improvável de prosperar.
A disputa entre o FGC e a família Indio da Costa se desdobra em pelo menos quatro ações judiciais. Em uma delas, os acionistas acusam o fundo de usar relatórios fraudulentos para justificar a intervenção no banco. Em outra, o Ministério Público de São Paulo ingressou com ação civil pública pedindo indenização por danos morais coletivos, alegando prejuízos a milhares de credores.
O ex-banqueiro Luis Octavio Indio da Costa, que controlava o Cruzeiro do Sul, foi condenado em 2024 a mais de cinco anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro. Seu pai, Luis Felippe, que havia comprado a licença do banco em 1993, faleceu em março de 2023.


