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Cade ignora evidências de 'gun jumping' entre Azul e Gol, que operam como uma só desde maio de 2024, diz ex-conselheira do órgão

Empresas reduziram sobreposição de rotas e eliminaram concorrência potencial, antecipando efeitos de uma fusão que ainda não foi formalmente notificada

Aviões da Azul e da Gol no aeroporto Luis Eduardo Magalhães, em Salvador - 03/02/2025 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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247 - Uma apuração do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) concluiu, em abril deste ano, que o acordo de compartilhamento de voos (codeshare) firmado entre Azul e Gol em 23 de maio de 2024 não caracterizaria impacto concorrencial, segundo os critérios da Resolução nº 17/2016 da própria autarquia, destaca a doutora em economia pela EPGE/FGV e ex-conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Cristiane Alkmin J. Schmidt, em um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo

Com isso, o Cade entendeu que não houve prática de gun jumping — termo que define uma operação econômica realizada antes da devida autorização do órgão antitruste — e afirmou que as companhias teriam até dois anos para submeter o contrato à análise formal.

“Os números, porém, mostram que houve impactos concorrenciais. Na verdade, as duas empresas vêm coordenando suas malhas desde maio de 2024, o que tem eliminado um dos concorrentes de forma efetiva ou potencial (a depender das rotas). É fato, logo, que houve gun jumping”, ressalta  Cristiane no texto. “A Gol e a Azul vêm reduzindo suas rotas, retirando sobreposições. Isso é perceptível para o usuário e pode ser observado pela Plataforma Diio/Cirium. Elas reduziram a oferta de 14.564 voos para 12.986 em 40 rotas (queda de 11%)”, observa. Trata-se, segundo especialistas do setor, de um clássico caso de gun jumping, uma joint venture disfarçada, cujos efeitos já são percebidos pelo consumidor.

Dados da Diio/Cirium revelam que, em 40 rotas analisadas, a oferta conjunta de voos pelas duas empresas caiu de 14.564 para 12.986 — uma redução de 11%. Essa retração é visível nas escolhas estratégicas de cada empresa: a Azul, por exemplo, abandonou a rota Congonhas–Caldas Novas, além dos trechos Campina Grande–Salvador, Galeão–Guarulhos e Galeão–Maceió, todos agora exclusivamente atendidos pela Gol.

Ainda conforme Cristiane, a Gol reduziu drasticamente sua presença em aeroportos onde a Azul é dominante. Em Confins (MG), deixou de operar voos para destinos como Recife, Maceió, João Pessoa, Natal e São Luís, entregando todas essas rotas à concorrente. Em Viracopos (SP), principal hub da Azul, a companhia cortou pela metade sua operação. Um exemplo emblemático ocorreu em dezembro de 2024: dos 116 voos programados entre Viracopos e Brasília, apenas 50 foram efetivamente operados pela Gol. Em outras rotas, como Salvador–Vitória da Conquista, a Gol também recuou, deixando o espaço exclusivamente à Azul.

“Essa movimentação representa mais do que uma simples reorganização de malhas: ao eliminar a concorrência potencial, as empresas suprimem o estímulo à inovação e à moderação de preços. Além disso, reduzir a sobreposição foi uma estratégia audaciosa perante o Cade, que não é bobo. Ao assinar um Memorando de Entendimento (Mou) em janeiro deste ano, elas indicaram para uma possível fusão, com concentração de 60% do mercado”, observa a economista. 

Ainda segundo ela, “no futuro, quando notificarem a fusão à autarquia, elas argumentarão que o ato não traz concentração relevante, o que ensejaria uma aprovação pela autarquia. O problema é que o efeito negativo no bem-estar do brasileiro já está em curso desde 23/5/2024. Há solução, todavia. Se o Cade optar por proteger o consumidor brasileiro, a autarquia pode aceitar que houve gun jumping e, mais tarde, negar a fusão dessas empresas”.

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