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Brasil e China articulam reforma profunda na OMC diante do avanço do unilateralismo dos EUA

Países defendem um sistema multilateral moderno e flexível para enfrentar políticas comerciais unilaterais adotadas sob Donald Trump

Sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), na Suíça (Foto: Reuters/Denis Balibouse)

247 – Em meio à crescente tensão comercial e ao avanço do unilateralismo sob o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Brasil e China articulam esforços para impulsionar a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC). As discussões ocorreram no Conselho Geral da entidade nesta segunda e terça-feira e foram relatadas pelo jornalista Assis Moreira, do Valor Econômico.

O Brasil defendeu que os 166 países membros debatam os impactos dos “recentes desenvolvimentos da política comercial para o sistema baseado em regras” e busquem “possíveis soluções” para restaurar a credibilidade da OMC. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem insistido na necessidade de “refundar a OMC em bases modernas e flexíveis”, diante da escalada de medidas protecionistas e unilaterais.

Lula: “Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio”

Lula tem criticado abertamente o retrocesso no sistema multilateral, agravado por medidas protecionistas adotadas por Washington. “Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio. Medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de Nação Mais Favorecida. Desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral perniciosa de preços altos e estagnação”, afirmou o presidente.

As declarações refletem a preocupação do governo brasileiro após os Estados Unidos imporem uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, um movimento interpretado em Brasília como mais um exemplo da política comercial agressiva de Trump.

China quer liderar defesa do multilateralismo

A China, principal nação comerciante do mundo, também se posicionou de forma contundente no Conselho Geral da OMC. O governo chinês propôs uma discussão sobre como a entidade e seus membros podem “responder coletivamente ao atual período de turbulência comercial intensificada por atos de unilateralismo”, incluindo medidas tarifárias arbitrárias.

Pequim anunciou ainda que, “como grande país em desenvolvimento responsável”, abrirá mão do tratamento especial e diferenciado nas negociações atuais e futuras da OMC. O gesto foi descrito pelo governo como um compromisso “solene de salvaguardar e reforçar o sistema multilateral”.

Rumo a uma nova OMC: além do “remendo” institucional

Cresce entre diplomatas e negociadores a percepção de que a OMC precisará passar por uma transformação profunda, e não apenas ajustes superficiais. Segundo o Valor Econômico, representantes de vários países, incluindo emergentes, avaliam que será necessário um novo arcabouço normativo para o comércio mundial, que reflita as novas dinâmicas econômicas e geopolíticas.

A proposta, segundo diplomatas, não se resume à assinatura de novos acordos setoriais, mas à reconstrução de regras e princípios que sustentem o sistema global de comércio. Alguns negociadores comparam esse movimento a uma “volta às origens”, inspirada no antigo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), vigente entre 1947 e 1995 — um período marcado por sucessivas rodadas de negociação (Kennedy, Tóquio e Uruguai) e flexibilidade institucional.

Crise do Órgão de Apelação e o colapso do consenso

A criação da OMC, em 1995, representou um marco jurídico e institucional, com um mecanismo de solução de controvérsias supranacional e vinculante. Contudo, o colapso do Órgão de Apelação, em dezembro de 2019, após bloqueios promovidos pelos Estados Unidos, mergulhou a organização em uma crise de legitimidade e eficácia.

Desde então, o sistema multilateral de comércio tem sido enfraquecido por paralisia institucional e ausência de consenso político, o que abriu espaço para a escalada de medidas unilaterais — tendência que se aprofundou durante o governo Trump.

Diante desse cenário, cresce a expectativa de que a nova fase da OMC seja menos dependente do consenso absoluto, permitindo a formação de coalizões entre países com interesses comuns. O tratamento especial e diferenciado deverá ser restrito aos países mais pobres, enquanto as grandes economias poderão avançar em acordos parciais, especialmente nas áreas de propriedade intelectual (TRIPS), investimentos (TRIMS) e comércio eletrônico.

Uma nova arquitetura para o comércio global

A reconstrução da OMC deverá envolver negociações complexas e setoriais, refletindo as prioridades de cada bloco econômico. O interesse das grandes corporações de tecnologia, por exemplo, está voltado para a moratória sobre a tributação de transmissões eletrônicas, essencial para ampliar lucros globais e reduzir barreiras digitais.

Enquanto isso, Brasil e China buscam reposicionar o debate sobre a legitimidade do sistema multilateral, defendendo a cooperação, a previsibilidade e a justiça econômica em um mundo cada vez mais fragmentado.

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