Wagner Moura diz que democracia brasileira "tira onda dos EUA"
Ator retorna ao teatro após 16 anos e comenta ataques da direita e ascensão autoritária nos Estados Unidos sob Donald Trump
247 - Wagner Moura voltou aos palcos com “Um Julgamento”, nova peça dirigida por Christiane Jatahy que marca o fim de um hiato de 16 anos longe do teatro. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ator falou sobre política, liberdade de expressão e sua trajetória internacional, que o consolidou como um dos artistas brasileiros mais reconhecidos no exterior.
Um retorno com críticas afiadas
Moura volta aos palcos interpretando Thomas Stockmann, protagonista de “Um Inimigo do Povo”, clássico do norueguês Henrik Ibsen. A nova adaptação, criada por ele, Jatahy e Lucas Paraizo, imagina o personagem diante de um tribunal anos após denunciar a contaminação das águas de sua cidade. O ator diz que sempre se mistura aos papéis que interpreta:
“Os personagens sempre são, para mim, uma amálgama entre ele e eu mesmo. Você dá verdade aos personagens quando puxa eles para você, e isso casa muito com o trabalho da Chris.”
O espetáculo estreia em meio ao julgamento dos responsáveis pela tentativa de golpe liderada por Jair Bolsonaro (PL), e Moura reconhece o paralelo entre realidade e ficção.
“Havia no julgamento versões da verdade, não fatos. Não à toa a direita tem a produtora de filmes Brasil Paralelo, que é o título perfeito. O Donald Trump vive numa realidade paralela e a expande para um bocado de gente. Eu acho isso muito assustador. Eu não sou uma pessoa medrosa, mas isso é uma coisa que me assusta, porque tira o chão. Como responder a essas pessoas se a gente não vive no mesmo espaço mental, se a gente não fala a mesma língua? Como a gente vai conversar?”, questiona o ator, referindo-se ao presidente dos Estados Unidos.
Críticas à extrema direita
Wagner Moura tem sido alvo de uma campanha de parlamentares bolsonaristas, que pedem à Casa Branca que o investigue. Ele, no entanto, minimiza as ameaças e ironiza o comportamento dos adversários.
“É muito vira-lata, muito colonizado. É tipo chamar a professora: 'Tia, o Wagner está fazendo sei lá o quê'. Para mim essas ameaças não querem dizer nada, porque se eu for investigado e punido pelas autoridades americanas, esta vai ser a maior contradição da direita do mundo. Vai contra a liberdade de expressão que a direita prega para esconder o seu discurso de ódio.Se forem me investigar, eu estou de boa".
Segundo ele, é um contrassenso que grupos que dizem defender a liberdade de expressão tentem censurar opiniões contrárias.
“Agora, discurso de ódio não é liberdade de expressão. Discurso de ódio é discurso de ódio. Se você fala algo e isso acarreta ataques, mortes, ódio, isso não é liberdade de expressão. No meu caso, o que eu disse e vou continuar dizendo é que há uma ascendência de uma força autocrática nos Estados Unidos".
“Nossa democracia está no seu melhor momento”
Em uma das cenas da peça, o personagem de Moura afirma que “a democracia permite que uma maioria de imbecis persiga uma minoria”. Questionado se isso significa o fracasso do sistema, o ator discorda:
“Nossa democracia não é falha. Inclusive, a democracia brasileira está no seu melhor momento. A gente está tirando onda dos americanos".
De Hamlet a Cannes
“Um Julgamento” marca o retorno de Moura ao teatro desde Hamlet (2009), dirigido por Aderbal Freire-Filho. Nesse período, ele se destacou em produções nacionais e internacionais, como Elysium (2013) e Narcos (2015), onde interpretou Pablo Escobar, papel que lhe rendeu indicação ao Globo de Ouro.
Mais recentemente, brilhou em Guerra Civil, sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, e em O Agente Secreto, filme que lhe garantiu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes. O longa de Kleber Mendonça Filho agora busca uma vaga no Oscar.
“Eu acho que é muito cedo para falar disso, mas o filme está bem amparado. Há um respeito grande pelo cinema do Kleber, e a distribuidora americana está fazendo um trabalho forte”, comenta.
Apesar do reconhecimento, Moura mantém o tom sereno:
“Eu recebo o ataque das mentes colonizadas com a mesma tranquilidade que recebo o carinho da Variety. Vai vir o que tiver que vir".
Um ator entre palcos e política
Entre gravações, campanhas de cinema e o retorno ao teatro, Wagner Moura mantém uma agenda intensa. Ainda assim, afirma estar vivendo uma das fases mais gratificantes de sua carreira.
“Estou muito feliz com essa peça, com esse filme e com a minha vida”, resume.
O espetáculo “Um Julgamento” tem apresentações previstas em Salvador e no Rio de Janeiro, marcando não apenas o reencontro de Moura com o público, mas também a reafirmação de sua voz política e artística no cenário contemporâneo brasileiro.