Tarifas de Trump, guerras e eleições pressionam COP30, diz presidente da conferência
André Corrêa do Lago afirma que cenário internacional turbulento afeta ambição climática e critica justificativas do presidente dos EUA contra o Brasil
247 – A guerra comercial imposta pelos Estados Unidos sob o segundo mandato do presidente Donald Trump, os recentes conflitos militares e a ascensão da direita em eleições europeias estão pressionando as negociações internacionais em torno do clima, afirmou André Corrêa do Lago, presidente da COP30, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. O diplomata brasileiro, responsável por liderar a conferência climática que será realizada em novembro em Belém, advertiu que o momento geopolítico atual impõe obstáculos significativos à ambição climática global.
“As negociações evoluem muito de acordo com as circunstâncias internacionais, e não preciso dizer que vivemos circunstâncias internacionais particularmente complexas”, disse Corrêa do Lago à Folha. Segundo ele, o contexto econômico e político mundial afeta diretamente os compromissos financeiros e ambientais assumidos pelos países desenvolvidos, que historicamente resistem a ampliar o financiamento climático destinado aos países em desenvolvimento.
Financiamento climático travado
O principal impasse das últimas conferências climáticas permanece o mesmo: a relutância dos países ricos em aumentar o financiamento para soluções ambientais. Na COP29, realizada no Azerbaijão, foi aprovada uma nova meta financeira chamada NCQG (Nova Meta Coletiva Quantificada), fixada em US$ 300 bilhões anuais, considerada frustrante por diversos países. O Brasil e o Azerbaijão agora têm a missão de apresentar na COP30 um roteiro (“roadmap”) para elevar essa cifra a US$ 1,3 trilhão anuais, cerca de R$ 7,2 trilhões.
Corrêa do Lago destacou, no entanto, que o debate sobre financiamento já foi oficialmente encerrado em Baku. “O ‘roadmap’ é um mapa do caminho assinado, pelo [Mukhtar] Babayev, presidente da COP29, e por mim, presidente da COP30. Não vai ser negociado e não precisa ser aprovado”, explicou.
Estados Unidos ausentes e ofensiva tarifária
O presidente da COP30 criticou duramente o papel dos Estados Unidos no atual contexto das negociações climáticas. Trump já anunciou a retirada do país do Acordo de Paris em 2026, o que, na avaliação do diplomata, compromete o equilíbrio das negociações. “A ausência de um ator tão importante como os Estados Unidos não pode ser boa para a negociação do clima”, afirmou.
Durante a reunião preparatória realizada em Bonn, na Alemanha, os Estados Unidos sequer enviaram uma delegação oficial, o que, segundo Corrêa do Lago, provocou uma mudança no comportamento dos países desenvolvidos, enfraquecendo a atuação conjunta com a Europa. “Você ganha espaço, mas com a ausência de um ator muito importante. É uma vitória discutível”, observou.
Sobre a recente ofensiva tarifária contra o Brasil, o diplomata criticou os argumentos usados pelo governo Trump, especialmente em relação ao etanol e ao desmatamento ilegal. “O presidente Trump precisa receber informações mais corretas sobre o Brasil”, respondeu, alinhando-se ao posicionamento do presidente Lula.
China, Europa e o risco de paralisia em Belém
Corrêa do Lago minimizou críticas sobre o atraso da China na apresentação de sua nova meta climática (NDC), afirmando que o país asiático deve oficializar sua proposta em setembro, junto da União Europeia. “Tendo em vista que menos de 20 países apresentaram antes de fevereiro, o normal se tornou não ter apresentado”, ponderou.
Questionado sobre o risco de novos entraves na COP30 em Belém, ele reconheceu a possibilidade de repetição do impasse financeiro, especialmente após a frustração em Baku. “Existe sempre essa possibilidade”, admitiu. Ainda assim, manteve o otimismo, destacando avanços nas discussões preparatórias. “Tenho uma tendência a ser otimista, então vejo o copo metade cheio.”
Pressões políticas e econômicas em ano de eleição
Para Corrêa do Lago, três fatores principais pressionam negativamente a ambição climática em 2025: o endurecimento tarifário de Trump, o aumento dos gastos militares e as eleições em países desenvolvidos. “A pressão eleitoral nos países democráticos da Europa está tendo, sim, uma influência sobre a ambição dos países desenvolvidos”, avaliou.
Ele ainda ressaltou a proliferação de argumentos econômicos contrários à transição energética, fenômeno que classifica como “negacionismo econômico”. “A gente passou do negacionismo científico para um negacionismo econômico”, ironizou.
Expectativas para Belém
Apesar das dificuldades, o presidente da COP30 garantiu que a cúpula de chefes de Estado segue planejada para ocorrer em Belém, reforçando o compromisso do Brasil em liderar os esforços climáticos. “O presidente da República quer que seja em Belém”, afirmou.
Corrêa do Lago encerrou destacando a importância de apresentar um roteiro ambicioso para o financiamento climático, mesmo sem a participação ativa dos Estados Unidos. “Ele precisa ser influente”, concluiu.
Quem é André Corrêa do Lago
André Corrêa do Lago, 65 anos, é diplomata de carreira desde 1982. Já foi diretor de energia, clima e meio ambiente no Itamaraty, negociador-chefe da Rio+20 e chefe das delegações brasileiras nas duas últimas COPs. Também serviu como embaixador no Japão, Índia e Butão. Economista de formação, integra o júri do prestigiado prêmio Pritzker de arquitetura.
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