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Às vésperas da COP30, desinformação expõe desafio do Brasil em engajar a sociedade sobre a crise climática

Fortalecer narrativas locais e investir em informação acessível é essencial para ampliar a conexão das pessoas com a agenda do clima

Belém sediará a COP30 em novembro. (Foto: Rafa Neddermeyer/COP30)

247 - Com o Brasil prestes a sediar em Belém a COP30, a maior conferência mundial sobre mudanças climáticas, um dado chama atenção: 71% dos brasileiros não sabem o que é o evento, segundo pesquisa do Ideia Instituto de Pesquisa e pelo instituto LaClima. De forma adicional, outra questão acompanha esse dado: , 34% da população desconhece o que são as mudanças climáticas, como mostra levantamento do Datafolha e da Tereos. Os números revelam a lacuna crítica do distanciamento entre a crise socioambiental e o cotidiano das pessoas.

Para o Pulitzer Center, uma das causas dessa desconexão é a falta de comunicação acessível e educação de qualidade em torno do tema, especialmente em contextos locais. A solução para essa lacuna passa justamente por reconhecer e fortalecer as narrativas construídas nos territórios como ferramentas essenciais para engajar a sociedade em torno de soluções justas e eficazes.

“As mudanças climáticas ainda são tratadas como um tema distante, técnico ou institucional. Mas elas já impactam a vida de milhões de pessoas todos os dias. Tornar essa crise compreensível, concreta e mobilizadora depende de uma mudança de abordagem que passa por escutar os territórios, apoiar o jornalismo local e articular saberes em espaços educativos e públicos”, afirma Maria Darrigo, gerente do programa de educação para a América Latina do Pulitzer Center.

A força das narrativas locais

Em regiões como a Amazônia e os territórios costeiros, os impactos da crise climática são intensos e crescentes. Mas são também nesses lugares que surgem iniciativas de resistência, estratégias de adaptação e propostas de futuro, construídas por comunidades tradicionais, povos indígenas, educadores populares, pescadores e trabalhadores rurais.

Ao apoiar reportagens e projetos educativos nesses espaços, o Pulitzer Center tem contribuído para amplificar vozes que historicamente foram silenciadas. Ao lado de comunicadores locais, educadores e cientistas, a organização trabalha para transformar experiências vividas em informação acessível e estratégica, seja por meio de cartilhas comunitárias, programas para rádios locais, podcasts, campanhas em redes sociais ou reportagens investigativas de alcance nacional e global.“Quando as histórias são contadas por quem vive a realidade, elas ganham potência, legitimidade e mobilizam muito mais. O jornalismo, nesse contexto, é uma ponte entre mundos: conecta saberes locais às políticas públicas, aproxima quem vive nos centros urbanos dos territórios e dá visibilidade às soluções construídas fora dos grandes fóruns institucionais”, destaca Gustavo Faleiros, diretor do núcleo de investigações ambientais do Pulitzer Center.

Na prática: jornalismo e educação que mobilizam

As ações do Pulitzer Center mostram, na prática, como jornalismo, comunicação e educação podem gerar engajamento real. Nos estados do Maranhão e Pará, por exemplo, a mostra Histórias da Amazônia, organizada pelo Pulitzer em parceria com universidades, levou filmes, rodas de conversa e debates sobre a floresta para dentro da floresta, atingindo diretamente estudantes, professores, lideranças locais e moradores, a partir de reportagens apoiadas pelo Pulitzer. Por meio das atividades, o público pode conhecer modelos de desenvolvimento impostos na região, ameaças aos povos da floresta e o que eles têm a ensinar no enfrentamento às mudanças do clima.

Já o programa educacional Clima no Antropoceno articula uma série de iniciativas com foco na interseção entre crise climática, ciência e saberes tradicionais. Entre elas, os Diálogos Itinerantes Amazônia no Antropoceno, que percorrem universidades e centros comunitários da região Norte com mesas de discussão sobre o futuro da floresta; e os webinários interdisciplinares, que conectam oceano, clima, maretórios e territórios a partir de múltiplas perspectivas.

Nas universidades, o Pulitzer também atua na formação de estudantes de instituições públicas, a partir de suas narrativas investigativas e cobertura socioambiental. Nas escolas de ensino médio e fundamental, o Pulitzer tem promovido planos de aula baseados em reportagens, além de concursos de ensaios que convidam os alunos a escreverem sobre temas que impactam seu futuro. As atividades envolvem diretamente professores e gestores escolares, com foco em territórios mais vulneráveis às mudanças climáticas.

Além disso, o Fundo Semear apoia pesquisadores e professores da América Latina a desenvolverem projetos de comunicação e pesquisa com impacto local. Boa parte dessas iniciativas integra universidades e escolas públicas na construção de uma educação crítica e inclusiva, ancorada nas realidades locais.

Comunicar para agir

A emergência climática é um tema transversal que afeta a saúde, a segurança alimentar, questões de energia, economia, tecnologia e trabalho. Mas ainda é costumeiramente vista como debate de nicho. Um estudo recente do próprio Pulitzer Center, Making Waves, revelou que isso se reflete na cobertura sobre o oceano, que continua subrepresentada na mídia e desconectada de discussões maiores - como justiça climática, biodiversidade e políticas públicas - em meio a dificuldades estruturais como falta de orçamento, treinamento e conexão com outras agendas globais.

Quase 90% dos jornalistas ouvidos pela pesquisa consideram a atenção dada ao tema insuficiente, com matérias concentradas em eventos pontuais e pouca presença de vozes locais, indígenas ou de comunidades costeiras. Temas como mineração em alto-mar, conflitos territoriais e os impactos sociais de políticas de conservação são apontados como pouco explorados ou ausentes. Ainda assim, a mídia é vista como peça-chave para aproximar o público da ciência e influenciar políticas públicas. Ao trazer esses dados à tona, o estudo reforça a urgência de investir em jornalismo e comunicação que ampliem o acesso à informação qualificada e diversificada e o engajamento social com as soluções climáticas.

O mesmo vale para a educação formal, onde a crise do clima ainda é, na maioria das vezes, ausente ou abordada de forma lateral. “Falta debate e também material didático atualizado, falta conexão com a realidade dos alunos. A educação precisa ser um campo estratégico para a transição climática, com metodologias engajadoras, baseadas em saberes múltiplos e no cotidiano dos territórios”, reforça Maria Darrigo.

COP30: a chance de mudar o rumo da conversa

A realização da COP30 em Belém representa uma oportunidade inédita para o Brasil colocar os territórios no centro do debate climático global. Para isso, é importante ampliar o alcance de debates relevantes no contexto do evento e diversificar as narrativas climáticas, não apenas para explicar as negociações, mas para mostrar que o futuro do planeta depende especialmente do que acontece nos territórios, em espaços onde há conhecimento capaz de indicar caminhos e soluções climáticas.

A educação, o jornalismo e a comunicação são ferramentas potentes para garantir essa virada. Se encarados como prioridade estratégica, em um ambiente seguro a defensores, jornalistas e comunicadores, é possível abrir espaço real para a escuta e o protagonismo local.

“Sem facilitar o acesso ao debate climático de qualidade e sem reconhecer os saberes que nascem dos territórios, qualquer solução climática estará incompleta”, conclui Gustavo Faleiros.

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