Municípios ampliam dependência da União e fecham contas no vermelho, aponta estudo
Estudo revela que prefeituras aumentaram despesas fixas e dependem cada vez mais de repasses federais e estaduais
247 - Os municípios brasileiros estão mais dependentes das transferências da União e dos Estados e, ainda assim, acumulam déficits fiscais. É o que mostra um levantamento da Warren Investimentos, divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo, que analisou a evolução das contas municipais entre 2010 e 2024.
O estudo indica que, nesse período, os gastos com pessoal e custeio cresceram em ritmo superior aos investimentos, pressionando os orçamentos locais.
Segundo o relatório, a arrecadação total das prefeituras avançou de 7,9% para 10,6% do PIB nos últimos 15 anos. No mesmo intervalo, as despesas subiram de 7,8% para 10,9% do PIB, o que resultou em déficit primário de 0,3% do PIB em 2024 — segundo ano consecutivo em que os municípios encerram as contas no vermelho.
Crescimento acelerado de despesas
O economista-chefe da Warren, Felipe Salto, que conduziu o estudo ao lado dos analistas Josué Pellegrini e Gabriel Garrote, avaliou que os municípios foram os entes federativos que mais expandiram gastos no período.
“Os municípios foram os mais expansionistas entre os três níveis de governo. A expansão de gastos em âmbito local dificulta a gestão da política macroeconômica, em especial a fiscal, já que a União não tem controle direto sobre os municípios. Esse é um grande risco”, afirmou.
A análise mostra que cerca de 70% da receita municipal hoje depende de transferências da União e dos Estados, que passaram de 5,65% para 7,37% do PIB entre 2010 e 2024. A principal fonte de arrecadação própria, o Imposto Sobre Serviços (ISS), representa apenas 10% das receitas municipais.
Repasses e desigualdade
O secretário-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Gilberto Perre, reconhece a maior dependência das prefeituras em relação a transferências, mas destaca problemas na fórmula de distribuição.
“Os repasses estão muito concentrados no Fundo de Participação dos Municípios, que adota como critério a população dos municípios — algo que fazia sentido nos anos 60, quando a regra foi criada. Hoje temos indicadores mais sofisticados, como renda per capita e crianças nas escolas, entre vários outros que poderiam ser combinados”, afirmou.
Perre ressalta que as regras atuais podem gerar distorções, com recursos sendo direcionados a cidades que não são as que mais necessitam. “A ineficiência das transferências, com as regras atuais, acaba induzindo a gastos mal-feitos. Porque quem recebe o recurso nem sempre é o que mais precisa”, disse.
Estrutura de gastos e novos encargos
Entre 2010 e 2024, os gastos com pessoal cresceram de 3,5% para 4,5% do PIB, o equivalente a 41% de todas as despesas municipais. Já os investimentos aumentaram de 0,9% para 1,2% do PIB, em ritmo menor. Também houve alta significativa das despesas com regimes próprios de previdência, que dobraram no período.
Perre pondera que parte do aumento se deve à ampliação das responsabilidades municipais em áreas como saúde, educação e segurança. “Guarda municipal, por exemplo, não existia; segurança era uma atribuição claramente federal e estadual. Hoje tem guardas armados, com viaturas, drones, e cada vez mais. Isso se repete na educação, na saúde e outras áreas”, afirmou.
Pressão futura com a PEC dos precatórios
Salto alerta ainda para os efeitos da Emenda Constitucional 136, que instituiu limite para pagamento de precatórios. Segundo ele, a medida tende a agravar a situação fiscal das prefeituras.
“A emenda permite novo parcelamento de dívidas previdenciárias, o que pode abrir espaços fiscais para novos gastos, redundando em piora dos resultados dos municípios”, explicou.
A PEC foi aprovada sob demanda da FNP e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com a justificativa de garantir o cumprimento de obrigações sem comprometer serviços públicos. O texto amplia de 60 para até 360 meses o prazo para o parcelamento de dívidas com a União, incluindo débitos de autarquias e fundações municipais.