Fábricas clandestinas de bebidas crescem e aumentam risco de intoxicação no Brasil
Explosão de casos de metanol expõe avanço da falsificação e movimenta Congresso para endurecer punições
247 - A recente onda de intoxicações por metanol no Brasil, que já soma 59 casos suspeitos e confirmados, colocou em evidência um problema estrutural e crescente: a expansão do mercado ilegal de bebidas alcoólicas. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), o número de fábricas clandestinas interditadas saltou de 12, em 2020, para 80 em 2024 — o que equivale a uma interdição a cada cinco dias.
A escalada do consumo de bebidas adulteradas coincide com oito mortes registradas em São Paulo e Pernambuco nos últimos dias, destaca o jornal O Globo. A gravidade do cenário levou a Câmara dos Deputados a acelerar a tramitação de um projeto que classifica a falsificação de bebidas e alimentos como crime hediondo.
Avanço do crime organizado no setor de bebidas
O “Anuário da Falsificação”, publicado pela ABCF antes da crise do metanol, aponta que somente nos primeiros oito meses de 2024 foram retiradas de circulação 185 mil garrafas adulteradas, uma média de apreensão a cada dois minutos. Nos destilados — categoria responsável pelos recentes casos de intoxicação — estima-se que mais de um terço (36%) das bebidas comercializadas no país sejam falsificadas.
“O único jeito de dar um golpe forte no crime é combater a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro e a facilidade que o crime organizado tem hoje para obter insumos”, afirmou Rodolpho Ramazzini, diretor da ABCF. Segundo ele, a retomada de um sistema de rastreamento descontinuado há quase dez anos seria crucial para conter a expansão desse mercado.
O faturamento anual das organizações criminosas ligadas ao setor é estimado em R$ 62 bilhões. Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que a produção ilegal dobrou entre 2016 e 2022, passando de 128 milhões para 256 milhões de litros.
"O país enfrenta dificuldades em termos de controle, ações fiscalizatórias e rastreamento. Somos um país gigante, com muita bebida circulando e sendo consumida. A falsificação tem sido usada por diversas organizações criminosas, que exploram esse mercado trazendo diversos problemas, como essa intoxicação por metanol, mas também evasão de divisas, sonegação e outros", destacou Nivio Nascimento, assessor de Relações Internacionais do FBSP.
Operações policiais e apreensões recentes
As autoridades intensificaram operações em São Paulo após a detecção de metanol em bebidas falsificadas. A Polícia Federal, em conjunto com o Ministério da Agricultura, fiscalizou fábricas e depósitos suspeitos em Sorocaba, Embu das Artes e Pilar do Sul. “A operação teve como objetivo apurar indícios de adulteração mediante utilização de insumos químicos fora das concentrações permitidas pela legislação sanitária”, informou a PF.
No mesmo dia, a Polícia Civil prendeu duas mulheres com 162 garrafas de uísque falsificado em Dobrada (SP). Em outra ação, dois irmãos foram investigados no Campo Limpo, zona sul da capital, suspeitos de substituir bebidas importadas por líquidos de baixo custo. No local, a polícia apreendeu 1,8 mil rótulos e lacres de marcas nacionais e internacionais.
Outras apreensões chamam atenção pela escala: 17,7 mil garrafas em Americana (SP) e 128 mil em Barueri, em apenas uma semana de fiscalizações.
Divergência nas investigações e o papel do PCC
A crise também expôs divergências entre autoridades. O secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, declarou que não há indícios de envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) nos recentes casos de intoxicação. Já o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou que a possibilidade ainda está sob apuração.
De acordo com documento do FBSP, “o mercado ilegal de bebidas financia atividades como tráfico de drogas e armas, ao mesmo tempo que monopoliza mercados locais em territórios vulneráveis com baixa presença do Estado”.
Congresso reage e acelera punições
Diante da gravidade, a Câmara dos Deputados aprovou com urgência a tramitação do projeto de lei que torna crime hediondo a falsificação de bebidas e alimentos. O texto, apresentado ainda em 2007 pelo então deputado Otavio Leite (PSDB-RJ) após escândalos envolvendo adulteração de leite, prevê aumento das penas de quatro a oito anos para seis a 12 anos de prisão.
A medida restringe benefícios penais e endurece o cumprimento das sentenças. A expectativa é que a votação em plenário ocorra em breve, dada a unanimidade com que o tema foi tratado pelos parlamentares.
Com a escalada das intoxicações e a multiplicação das fábricas clandestinas, o Brasil enfrenta um desafio que vai além da saúde pública, atingindo a segurança e a economia. O crescimento desse mercado ilegal reforça a urgência de medidas integradas de fiscalização e endurecimento das leis.