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Após chacina no Rio, Câmara acelera discussão sobre nova Lei Antiterrorismo

Projeto propõe ampliar punições e definir controle territorial como ato terrorista, mas governo teme impacto sobre movimentos sociais

Corpos foram levados por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Operação Contenção. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

247 - Na esteira da chacina ocorrida nesta semana no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados voltou a discutir um projeto que redefine os critérios da Lei Antiterrorismo para incluir facções criminosas e milícias. 

A proposta ganhou regime de urgência em maio e poderá ser votada diretamente no plenário na segunda semana de novembro, conforme sinalizou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).De acordo com reportagem publicada pelo jornal O Globo, o texto em tramitação amplia os critérios para enquadrar uma ação como terrorista. O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP-SP), deverá reassumir o mandato de deputado federal para relatar a matéria.

Proposta amplia escopo da legislação

A Lei Antiterrorismo de 2016 define o terrorismo como crime motivado por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião. A nova proposta, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), inclui no rol de motivações “impor domínio ou controle de área territorial”, uma referência direta a facções e milícias que dominam comunidades e impõem regras próprias.

O texto também define como ato terrorista “sabotar, inutilizar, impedir ou interromper o funcionamento” de serviços públicos essenciais, como transporte, telefonia e energia, e aplica as mesmas regras a organizações criminosas e milícias que pratiquem atos de terror “para retaliar políticas públicas ou demonstrar poder paralelo ao Estado”.

Segundo Forte, a medida busca evitar distorções: “Essa disposição assegura que a legislação antiterrorismo não será utilizada para coibir manifestações legítimas, que são parte essencial do exercício democrático e da liberdade de expressão”, afirmou o parlamentar.

Impacto jurídico e simbólico

A classificação de facções como terroristas aumentaria as penas, que podem chegar a 30 anos de prisão, e transferiria as investigações para a esfera federal, sob responsabilidade da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Além de permitir maior cooperação internacional e bloqueio de bens, a mudança também carrega peso simbólico, elevando o status desses grupos a ameaças à segurança nacional.

Cautela do governo 

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vê com cautela a proposta. Parlamentares aliados afirmam que a ampliação do conceito pode abrir brechas para criminalizar movimentos sociais. 

O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), classificou o texto como um “retrocesso perigoso”. “Isso é um absurdo completo e o governo vai orientar contrário. O terrorismo tem motivações políticas, ideológicas; o narcotráfico não. Pode-se aumentar pena e fazer o que quiser, mas não misturar as coisas — declarou.”

O Itamaraty e o Ministério da Justiça também se manifestaram contrários em gestões anteriores a iniciativas que equiparassem facções latino-americanas ao terrorismo, argumentando que o conceito deve permanecer restrito a motivações políticas, ideológicas ou religiosas. Há ainda receio de que tal designação possa abrir margem para intervenções externas sob o argumento de combate ao terror.

Apoio do Centrão impulsiona tramitação

A proposta ganhou força nesta semana após reunião entre a bancada do PP e Derrite, que deve assumir a relatoria. O partido manifestou apoio integral, e outras siglas como União Brasil, MDB e PSD sinalizaram adesão “sob reserva”, por considerarem o texto mais equilibrado que o apresentado durante a gestão Bolsonaro.

O projeto de Danilo Forte também cria uma agravante de um terço para ataques realizados por meios digitais e define “infraestruturas críticas” — como portos, hospitais, escolas, data centers e bancos — como potenciais alvos sob proteção da lei.

A discussão promete dividir o plenário, colocando em lados opostos o governo e o Centrão, num debate que reacende memórias das tensões da era Bolsonaro, mas agora sob um novo prisma: o de enfrentar o poder das facções e milícias sem ferir o direito à livre manifestação.

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