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      Heba Ayyad

      Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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      Trump realmente merece um Prêmio Nobel?

      O Prêmio Nobel da Paz é considerado o mais prestigioso e atrativo entre eles, mas também o mais difícil e controverso de ser concedido

      Presidente dos EUA, Donald Trump, fala enquanto assina decretos no Salão Oval da Casa Branca, em Washington - 09/04/2025 (Foto: REUTERS/Nathan Howard)

      Durante seu encontro com o presidente dos EUA, Donald Trump, na segunda-feira, 7 de julho, na Casa Branca, Netanyahu, primeiro-ministro da entidade de ocupação israelense, disse ao presidente: "Gostaria de lhe entregar a carta que enviei ao Comitê Nobel... indicando-o para o Prêmio Nobel da Paz... e você realmente o merece, e deve recebê-lo."

      O pior dos infortúnios é que isso provoca riso. Veja quem indica quem!

      O primeiro-ministro da referida entidade é oficialmente classificado como um "criminoso de guerra". Como alguém com tal classificação pode opinar sobre quem merece um prêmio da paz?

      Esse não é o seu papel, e, pessoalmente, não acredito que Trump mereça esse prêmio, considerando seu histórico nos quatro primeiros anos de governo, tampouco nos seis meses atuais.

      Analisaremos essa questão com calma, a fim de compreender quais critérios, se é que existem, são seguidos na concessão do prêmio.

      O Prêmio Nobel da Paz já foi concedido muitas vezes a pessoas que não o mereciam, outras tantas a quem de fato merecia, e também negado a grandes líderes genuinamente dignos dessa honraria.

      Trump enfrenta dois desafios — na Ucrânia e na Palestina — para ganhar o Prêmio Nobel. Paz não significa apenas um cessar-fogo, mas sim um acordo de paz abrangente entre Rússia e Ucrânia, e outro acordo duradouro na Palestina.

      Apenas como lembrete: o prêmio foi estabelecido com base na recomendação do cientista sueco Alfred Nobel, inventor da dinamite — artefato que causou e continua causando a morte de centenas de milhões de pessoas. Antes de sua morte, em 1896, Nobel solicitou que o prêmio fosse concedido àqueles que o merecessem em cinco áreas: Medicina, Química, Física, Literatura e Paz. O prêmio de Economia foi adicionado em 1968.

      O Prêmio Nobel da Paz é considerado o mais prestigioso e atrativo entre eles, mas também o mais difícil e controverso de ser concedido. Três critérios foram definidos para sua atribuição:

      Àqueles que trabalham para fortalecer os laços de fraternidade e amor entre os povos;

      Àqueles que atuam no desmantelamento de exércitos, armas ou grupos armados;

      E, finalmente, àqueles que promovem a conscientização e a disseminação de uma cultura de paz.

      A politização do Prêmio

      Engana-se quem pensa que o prêmio está imune à política — ao menos “às vezes”. Obama merecia o prêmio apenas dez meses após sua chegada à Casa Branca?

      Ou o líder tibetano Dalai Lama, caso não tivesse uma oposição feroz ao regime chinês, o teria recebido?

      E quanto a Menachem Begin, autor do massacre de Deir Yassin; Shimon Peres, figura central no massacre de Qana; ou Yitzhak Rabin, idealizador do programa que visava quebrar os ossos das crianças de Gaza — seriam merecedores?

      Curiosamente, Mahatma Gandhi nunca recebeu o prêmio, apesar de ter sido indicado cinco vezes.

      Por outro lado, reconhecemos que alguns dos laureados são, de fato, dignos da honraria: Nelson Mandela, Desmond Tutu, Madre Teresa, Jimmy Carter, Martin Luther King, Oscar Arias, o ACNUR, as Forças de Paz da ONU, o UNICEF e a Anistia Internacional.

      Sobre as qualificações de Trump

      Uma rápida análise das realizações do presidente Trump durante seu primeiro mandato completo e seu atual período.

      Em 8 de maio de 2018, Trump retirou os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, firmado com seis potências globais durante o governo Obama, em 2015.

      Essa decisão recolocou o conflito com o Irã na estaca zero e impôs sanções severas ao país. Como consequência, o Irã passou a acelerar o desenvolvimento de seu sistema de mísseis, o enriquecimento de urânio e o apoio a milícias locais no Iêmen, Iraque, Síria e Líbano — abrindo caminho para os atuais conflitos e explosões regionais.

      Em 3 de janeiro de 2020, Trump ordenou o assassinato de Qassem Soleimani, comandante da Força Quds iraniana, e de Abu Mahdi al-Muhandis, vice-comandante das Forças de Mobilização Popular do Iraque. Esse atentado agravou o conflito, levando o Irã a atacar bases estadunidenses no Iraque e na Síria, resultando na morte de três soldados estadunidenses e ferimentos em outros 35, durante um ataque a uma base dos EUA na Jordânia, em janeiro de 2024.

      Em dezembro de 2017, Trump assinou um decreto presidencial reconhecendo Jerusalém como a capital unificada e permanente de Israel, transferindo a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém no prazo de seis meses — uma flagrante violação do direito internacional. Catorze membros do Conselho de Segurança da ONU votaram contra a medida, mas a embaixadora de Trump, Nikki Haley, vetou a resolução.

      Em março de 2019, Trump anunciou o reconhecimento das Colinas de Golã — território sírio — como pertencente à soberania israelense, violando diretamente as Resoluções 242 (1967) e 497 (1981) do Conselho de Segurança da ONU, ambas anteriormente apoiadas pelos próprios Estados Unidos.

      Em 10 de dezembro de 2020, Trump assinou um decreto presidencial reconhecendo a soberania do Marrocos sobre o Saara Ocidental — decisão também em desacordo com o direito internacional e com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, às quais os próprios EUA haviam aderido. Tais resoluções indicam que a região é considerada disputada e que seu status final deve ser resolvido por meio de consenso entre as partes envolvidas.

      Durante seus dois mandatos, Trump também retirou os Estados Unidos do Acordo Climático de Paris, da UNESCO, do Conselho de Direitos Humanos e da Organização Mundial da Saúde. Além disso, cortou o financiamento a diversas organizações internacionais, incluindo a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina).

      Durante seu mandato atual, Trump começou a anunciar sua intenção de anexar a Groenlândia e o Canal do Panamá, além de transformar o Canadá no 51º estado dos Estados Unidos.

      Ele também afirmou, no início do mandato, que pretendia esvaziar Gaza de todos os seus habitantes, transformando-a em território estadunidense e convertendo-a em uma “Riviera para os ricos”. Essa proposta surgiu durante seu primeiro encontro com Netanyahu, que ficou tão surpreso que babou — e, desde então, passou a trabalhar para implementá-la, não apenas em palavras, mas em ações concretas.

      Trump solicitou à Jordânia que absorvesse os palestinos deslocados da Cisjordânia e, ao Egito, que recebesse os deslocados de Gaza. Em sua visão: "Israel parece pequeno no mapa, e eu sempre pensei em como ele poderia ser expandido."

      Haveria algo mais imprudente do que essa declaração?

      Trump repetiu literalmente a retórica israelense, afirmando que o Hamas deveria se render ou enfrentaria "o fogo do inferno". No entanto, a resiliência da resistência, inabalável diante de tais ameaças, forçou Trump a negociar. Ele acabou abrindo mão de seu arsenal de armas pesadas — armamento que Biden, que se autodenominou “um sionista não judeu”, havia retido de Israel devido ao seu enorme poder destrutivo, especialmente bombas de 900 kg.

      Trump participou de todas as guerras de Israel desde que assumiu o cargo — seja em Gaza, no Líbano ou no Iêmen — por meio de financiamento, fornecimento de armas e munições, apoio de inteligência e uso do poder de veto em fóruns internacionais.

      Na madrugada de domingo, 22 de junho, o governo Trump atacou três instalações nucleares iranianas, mesmo sem haver estado de guerra entre os dois países — apenas negociações diplomáticas em andamento em Omã. Tal ação configura, segundo o direito internacional, um crime de agressão.

      Trump também não foi o responsável por encerrar a guerra entre Índia e Paquistão, como afirmaram autoridades indianas. Na realidade, houve contatos diretos entre os comandos militares de ambos os países. Após sofrer pesadas perdas, a Índia apressou-se em encerrar o conflito por meio de consultas bilaterais. Ainda assim, o crédito foi atribuído formalmente a Trump, para que se pudesse dizer que a medição estadunidense foi determinante no fim dos confrontos.

      Por fim, o acordo de paz entre Ruanda e o Congo foi resultado da mediação africana em geral e, em particular, da mediação do Catar, que reuniu os dois presidentes em Doha, em 18 de março. Em abril, realizou-se uma reunião ministerial entre os países e, no início de maio, o acordo estava pronto para assinatura — momento em que Trump se apressou em assumir o crédito pela realização.

      Em nossa opinião, se Trump quiser ganhar o Prêmio Nobel, ele enfrenta dois desafios reais: a Ucrânia e a Palestina.

      Paz, em ambos os casos, não significa um mero cessar-fogo, mas sim um acordo abrangente que:

      Resolva o conflito entre Rússia e Ucrânia em sua raiz;

      E estabeleça um Estado palestino livre, soberano, interconectado e viável, que una Gaza à Cisjordânia e tenha Jerusalém Oriental como capital.

      Será que ele terá sucesso nesse teste difícil?

      Heba Ayyad

      Jornalista internacional

      Escritora Palestina Brasileira

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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